A cidade em que trabalho é tão pequena que parece uma daquelas desenhada nos livros de escola: numa única rua estão secretaria de saúde, praça, hospital, correios, colégio, matriz, posto de saúde... O resto são povoados e eu trabalho num deles. Pra entrar no município, a gente cruza uma ponte pintada de azul, amarelo e vermelho, cheia de luminárias que parecem lampiões. A estrada é cheia de flores que parecem uma mistura de girassóis com margaridas. Eu olho aquilo e penso na Toscana.
A cidade em que moro é vizinha e bem maior, em comparação. Quando saio pro trabalho, algumas lojas estão abrindo e sempre, sempre, eu me lembro de Meg Ryan em 'You've got mail' a caminho do trabalho enquanto as lojas abrem no Upper West Side. Espero meu transporte diante da maior (e melhor) padaria daqui, sempre lendo um livro, pra não cair em tentação e comprar alguma coisa de lá. Quando eu volto, passo pela padaria e finjo que não vejo, atravesso a praça principal da cidade, que tem uma fonte enorme (nunca entendi o motivo da fonte, só penso em foco de dengue) e uma sorveteria, com gente que não se preocupa com diabetes, nem calorias.
Morar em cidade de interior é ouvir música o dia inteiro pelo sistema de som da cidade. A mesma fita está tocando, com as mesmas músicas, desde o ano passado, eu acho. A gente acerta o relógio pelo sino da matriz. Ele começa a tocar às seis da manhã, mesmo aos domingos, e para lá pelas oito da noite. Às seis da noite, a igreja e o sistema de som competem pra informar a hora. Um toca a Ave-Maria de Schubert, outro saúda Nossa Senhora com Chitãozinho e Xororó. Todo santo dia.
Aqui, as pessoas dizem 'bom dia' quando se cruzam, mesmo se não se conhecem. Também dizem 'boa noite'. Mesmo quando não dizem, olham nos olhos da gente e muitos sorriem. Ah, aqui não tem engarrafamento. Aliás, só colocaram semáforo nas ruas um dia desses. Ainda não tem guarda de trânsito. Ninguém leva multa. Dia de feira, o trânsito vira uma confusão. Mas a feira é a mais organizada e limpa que eu já conheci. É ótima pra encontrar meus antigos pacientes, inclusive. Imagine a surpresa deles ao me encontrar, de jeans e sandália, fazendo feira.
O bom de cidade pequena é que você sabe o nome do gerente do mercado, da dona da casa das plantas, da loja de material de construção, do armarinho, da única banca da cidade e eles sabem o seu (ou pelo menos, no meu caso, me chamam de 'doutora'). A dona da lanchonete me chama pelo nome mesmo, a da farmácia também. Sem falar que tudo, tudo isso, fica a uma ou duas ruas da minha casa. É realmente um pulo pra resolver tudo.
Mas o que eu acho mais bonito aqui é que nessa época é aniversário da cidade. O povo enfeita tudo pro desfile e faz questão de participar. Tem exposição de animais, missa do vaqueiro, o desfile, a vaquejada. Não é a minha praia, mas eu respeito a animação.
A cidade é tão grande e tão movimentada que as lojas fecham às sete da noite, exceto as lanchonetes. É perfeita pra mim, que posso virar a noite lendo, vendo série e filme, escrevendo, navegando. Espero que nunca eu precise provar que faço essas coisas. Eu não teria álibi nessa cidade. Aqui todo mundo dorme com as galinhas.
Não vou rasgar seda, mas foi um dos mais belos posts que li neste blog; emociona a descrição da simplicidade das coisas que você descreveu, por que não há como comparar com o meu dia-a-dia morando em Recife.
ResponderExcluirPode não ser a desejada Toscana, mas fico feliz em saber que a simples Surubim têm-lhe servido tão bem :-)
El Lo Hermanitto
Toda vez que eu ouvia o sino da matriz, dava vontade de escrever a respeito. Saiu esse post. :D
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