A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou em 02/12,em caráter terminativo um projeto que estabelece limites para o tratamento de pacientes terminais, tornando lícita a ortotanásia. O termo significa deixar de realizar procedimentos que prolongariam a vida de pacientes com doenças graves e incuráveis, evitando sofrimento desnecessário. É preciso haver consentimento do paciente – ou de sua família, se ele estiver impossibilitado – e diagnóstico de dois médicos. A prática não é uma novidade nos hospitais, mas falta respaldo legal. Em 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução que dizia que o médico poderia limitar ou suspender tratamentos, respeitando a vontade do paciente, mas a resolução foi cassada pela Justiça no ano seguinte. O novo Código de Ética Médico, que passa a valer em abril, permite que os profissionais não adotem ações terapêuticas inúteis a pacientes terminais sem chance de cura – ou seja, libera a ortotanásia. * Fonte: Jornal do Commercio (03.12.2009).
Li isso hoje, mas escrevi sobre o assunto recentemente, naquela que tem sido minha história predileta nos últimos meses. Eu não conhecia o termo 'ortotanásia', mas era exatamente isso que o cara defendia. Ou não?
Minha esposa morreu três semanas depois. Não foi súbito, nem inesperado, pra usar a definição que médicos usam pra explicar quando o coração de alguém pára de bater e eles tentam reanimar. ‘Essa parada cardíaca foi um evento súbito e inesperado?’, eles pensam em frações de segundos. Se o coração de alguém pára durante uma cirurgia, eles reanimam. A pessoa está na mesa de cirurgia porque ainda tem alguma coisa a fazer na vida que não seja vegetar, certo? Corações são como carros que às vezes só precisam de um empurrão ou um guincho, ou ambos, até que um mecânico ou um médico dê um jeito na causa da parada. Se você tem um carro velho, as chances que ele te deixe na mão aumentam. Se o carro é velho e o problema é resolvido com um empurrão, é fácil. Se você precisa trocar algumas peças e uma revisão na oficina resolve, sem problema; mas mesmo um carro bonito e elegante pode ter um problema tão sério que só trocando todo o motor. Você não troca muitas peças nas pessoas, carros não sentem dor e não adianta um coração batendo se você está tão doente que não consegue nem respirar sozinho. Quando o coração de alguém com câncer em fase terminal pára, na verdade não foi uma parada cardíaca. Não foi súbito, nem inesperado. Foi o fim da linha. Ah, esqueci de dizer: a condição do ‘carro’ tem que ser reversível para ser considerado ‘só uma parada’. A condição dela não era nem remotamente reversível.
Era sobre isso que ela e a amiga conversavam naquela manhã, aquela em que eu cheguei mais cedo da pescaria por causa da chuva. Distanásia ou eutanásia. Prolongar desnecessariamente o sofrimento de um paciente ou apressar o inevitável. É uma linha complicada de se definir, e no fim fica mais difícil pra família saber se quer encerrar o próprio sofrimento ou o do doente. Quero dizer, a gente morre um pouquinho todo dia também e chega uma hora que você só quer que aquilo acabe. Ela decidiu por todos nós: sem eutanásia, sem distanásia. Pra evitar a discussão sobre desligar aparelhos, ela pediu para não ser colocada em nenhum. ‘Nada de medidas heróicas’, ela me disse com os olhos cheios de dor e lágrimas. Repetiu isso pra mãe e pros irmãos. Minha cunhada ainda abriu a boca pra falar algo, mas viu o olhar da mãe e calou-se. Eles haviam perdido o pai recentemente (ele era cardíaco) e já bastava de sofrimento para a mãe dela também. Então, ela usava cada vez mais o botão que liberava a morfina e eu mal dormia.