domingo, maio 20, 2012

Esqueci de contar

Pouco depois que me mudei pra essa cidade, fiquei responsável pela evolução da ala de Pediatria do (então) único hospital daqui. Isso incluía os recém-nascidos da ala de Obstetrícia, que (teoricamente) haviam sido avaliados ao nascer pelo pediatra do plantão, e os que permaneciam internados por alguma complicação. Que eu me lembre, fazia isso pelo menos três vezes por semana, porque não havia pediatra na cidade além do plantonista (e esse só deve ser responsável pelas urgências).

Com toda a correria daquela época, nunca registrei esse caso clínico aqui, mas lembro dele tão perfeitamente que até o nome de uma das crianças permanece em minha memória. Até 2008, ano do bug, tinha várias fotos desse caso no meu HD. Enfim, duas gêmeas nasceram, prematuras. É comum que gêmeos sejam prematuros porque não há espaço pra mais de um no útero, principalmente quando vão chegando a termo. Nesse caso, eram bem prematuras e com indicação de transferência pra capital, mas nunca houve vaga pra nenhuma das duas.

Quis o destino que eu fizesse meu estágio de Pediatria num hospital com UTI de Neonatologia, onde passei um mês. Hoje em dia, não me lembro de quase nada, por falta de prática, mas na época dessas gêmeas, eu lembrava de muita coisa. Houve dia de eu ir pela manhã e à tarde, pra reavaliar. Deu trabalho pra tirar da incubadora, do oxigênio suplementar, do soro, além de alimentar por sonda porque se mamassem direto no seio, o esforço poderia matá-las.

Permaneceram internadas mais de um mês, em parte porque moravam muito longe. Se fossem de um município mais perto, poderiam ser acompanhadas no ambulatório, mas não era o caso. Ainda assim, só tiveram alta mais cedo porque uma das enfermeiras-chefe do hospital era a enfermeira do PSF onde moravam. Claro, toda vez que eu encontrava a enfermeira, perguntava pelas gêmeas, temendo alguma sequela por causa da prematuridade. Não houve nenhuma.

Os anos passaram, eu saí do hospital, adoeci, me afastei, perdi contato. Há dez dias, fui ao hospital pra entregar uns cartões a uma das técnicas de enfermagem que mais me deu força em todos esses anos. Então eu reencontrei a enfermeira-chefe e perguntei por 'minhas gêmeas'. A lembrança dessas crianças me segurou em alguns momentos difíceis, era um desses casos em que eu pensava 'pelo menos isso eu fiz certo'. Então a enfermeira me contou que elas morreram recentemente, num incêndio.

Se as notícias continuarem assim, vai ser difícil de me convencer do meu papel nesse mundo.

2 comentários:

Suzi disse...

Ai que dor,Ju! Sinto muito!
Me manda teu endereço novo por email? quarta feira tua caixa vai.
beijos!

Viviane Fontoura disse...

Sim, eu ainda passo por aqui. Sim, continuo atolada de trabalho. E sim, to morrendo de saudades.

Muito boa sorte com o consultorio novo!! =)