quinta-feira, outubro 10, 2013

Elas

Ela veio no início da semana, contando como viu dois filhos morrerem nos próprios braços, que o marido bate nela, que xinga, que ele bebe e usa crack, maconha e cocaína, que essa semana ele chegou com o nome da outra tatuado no corpo. Ela não tem sorte com homens. A primeira vez dela foi com um namorado que a drogou. Ela ainda engravidou por causa disso. Imagine resumir todo um relato desse em 'sofre violência física e psicológica do atual parceiro. Antecedente de violência sexual'. Fiquei sem saber o que sugerir e ela olhou pra mim: 'Mas agora chega. Eu vou no juiz pedir uma ordem e vou me separar dele'. eu me perguntei onde ela encontra força pra isso.

Ela veio ontem. Está separada há um mês. Aguarda ansiosamente o resulta do exame de HIV que eu solicitei num dos primeiros dias em que cheguei na unidade. Trouxe um resultado de exame, acreditando ser a sorologia de sífilis, mas o laboratório errou e fez um hemograma. Solicitei o exame novamente. Ela não quer saber dele. Ele não apareceu, nem fez ameaça. Ainda bem.

Ela veio hoje. Não disse duas palavras e já estava chorando. Garante que ele não é violento, mas quando a gente vai conversando percebe a pressão. Peguei uma mão dela. Lembrei que ela ainda está em condições de perceber que precisa de ajuda, tem quem se importe com ela, tem um emprego, tem um patrimônio, o que é muito mais que a maioria tem. Seguro a outra mão dela, sugiro um antidepressivo e ela concorda. Aviso que estou ali de segunda a sexta, e espero que isso ajude. Depois me pergunto de onde saiu aquele discursinho tão bonito que eu fiz pra ela. Provavelmente daquela parte de mim que gostaria de ouvir os discursinhos quando estou descompensada.

Um comentário:

Paulo Xaxá disse...

Ponto para você: o dircurso veio da alma :-*

El Lo Hermanitto