terça-feira, novembro 19, 2013

O papa-figo

Eis-me aqui, novamente, de castigo por causa da labirintite. Depois de dois dias de enjôo insuportável, tive que me render e não ir pro trabalho. Enquanto isso, fico pensando que mundo é esse em que vivemos, onde uma criança menor de dez anos sabe exatamente por que não se deve falar com estranhos.

Ontem foi dia de 'Saúde na Escola', mais um dos programas do Ministério. Uma palestra minha, outra da educadora física. Meu tema era 'Violência e Acidentes', com uma lista de pontos a serem enfocados. No geral, muito fáceis, até que eu dei de cara com 'violência sexual'. Como abordar violência sexual num grupo de criancinhas? A verdade é que eu sabia 'como', porque tive tal orientação em casa, é bem verdade que numa idade um pouquinho mais avançada. Também é verdade que eu não queria abordar o tema. Não que me incomode falar sobre sexo, o que eu temia era assustar os meninos.

Escolhi um meio-termo. 'Não fale com estranhos', disso eles sabiam. A resposta a 'Vocês sabem por quê?' foi incrível: 'Por causa do Papa-figo', 'Porque o homem do carro preto leva a gente' e até um 'Um menino de três anos foi roubado e apareceu num barreiro' (é, eles assistem TV e entendem o noticiário). Então veio a mais triste das respostas: 'Porque o homem do saco leva e estupra as meninas'. Ele não tinha dez anos, com certeza. Eu não tive coragem de perguntar se ele, ou os outros, sabiam o que era estupro. Só aproveitei a deixa. 'Estupra os meninos também, vocês sabiam?'. Um deles relatou ter sido abordado por um estranho, que convidou-o para uma volta de carro, que foi recusada. Acrescentei que depois do estupro, geralmente o 'papa-figo' mata as crianças.

Qual é! É a verdade! Psicólogos que estudaram os contos infantis concluíram que as histórias serviam para alertar as crianças contra os perigos do dia-a-dia. A lenda do papa-figo é baseada em fatos bem reais, como bem sabem os historiadores. Eu, não nego, fiz ainda pior: instilei a desconfiança não apenas contra os estranhos, mas também familiares e amigos. Ensinei a eles o que é o Conselho Tutelar, o número do SAMU eles já sabiam, e ofereci o apoio do posto caso precisem. Espero que nunca precisem, porque eu vou adoecer novamente ou precisar de advogado.

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