sábado, dezembro 08, 2012

Pois é...

Do Diário de um plantonista

O que é ser um bom médico para a população em geral?
Tenho visto que um bom médico é aquele que se permite realizar as suas funções de acordo com o que os seus pacientes ordenam:
- Quero uma receita!
- Pois não!
- Quero tal exame!
- Pois não!
- Quero ser internado!
- Pois não!
- Quero um atestado!
- Pois não!
Quando se diz não, você não presta.
Negar uma receita de medicamentos de uso contínuo numa emergência? E os de uso controlados? Que absurdo! A população não tem atendimento! E agora? O médico plantonista tem que arcar com essa falta de estrutura da saúde do Brasil? Ele tem que realizar atividades além das suas funções porque a população está desassistida? Por que os postos de saúde não têm médico? Por que também as pessoas não querem marcar consulta?
O médico plantonista é a porta de entrada do paciente. Ele entra, joga em cima de você toda a revolta. Ele desconta em você que está ali trabalhando e exercendo a sua função. E você tem que engolir.
Eu não deixo de ser um bom profissional porque nego um favor, porque não tenho tempo em um plantão de 12 horas de conversar muito com um paciente, porque tenho que ser objetivo e direcionar a consulta. Nem porque não reproduzi a receita do parente da funcionária da recepção, tampouco porque pedi para a paciente marcar uma consulta eletiva com uma queixa de queda de cabelos na emergência. Eu não estou ali para dar um jeitinho, nem pra fazer favores. E o não custa nada, custa muito!
Entender a dor de um povo aflito eu entendo. Eu também faço parte desse povo aflito. Mesmo que eu não necessite ir a um pronto-socorro do SUS. Mas eu vivencio todos os dias essa realidade. E pago um preço bem alto para permanecer trabalhando ali. Mas sou julgado o tempo inteiro e esperam uma brechinha para me prejudicar. Por que a saúde virou uma guerra e nessa guerra salve-se quem puder.
Não podemos, sozinhos, solucionar todas as carências do nosso sistema de saúde. Eu não posso atender 100 pessoas em 12 horas porque eu me acho bonzinho. Eu não trabalho numa rede de fast-food. Estarei fingindo que trato de doenças e as pessoas fingindo que acreditam. Mas quando eu falo sobre a exploração dos médicos escuto o lado dos recalcados que dizem: "vocês devem parar de reclamar e trabalhar mais, dormem a noite inteira nos plantões!". É tanto absurdo reunido que é melhor abstrair.
Sou plantonista e não realizo terapias familiares, não sou especialista em resolver brigas conjugais, não posso atender todos pela ausência de profissionais, não estou de plantão para trocar receitas, fornecer atestados sem motivos, solicitar exames de rotina, internar pacientes sem indicação e nem para trabalhar além das minhas forças. Farei o meu melhor, sempre. Mas não sou o salvador da pátria.
Pronto-Socorro não é lugar de consulta de rotina, de trocar receitas, de fazer terapias, de suprir carências e exigir exames.
Pronto-Socorro é lugar de urgência e emergência. Acontecimentos que não podem ser adiados, pelo perigo de morte ou pelo próprio agravo da situação.
Sou a favor de campanhas educativas em rede nacional para esclarecer à população essa grande diferença. Quem sabe assim possamos exercer a nossa profissão com mais dignidade, respeito e maior qualidade nos atendimentos.
Dr. Greg, do Diário de um Plantonista.

***
É por todas as razões acima (mais as ameaças reais de violência contra o plantonista) que não dou mais plantão.

Nenhum comentário: