Então, eu terminei de ler ‘Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite’, de Fal Azevedo. E antes que você me pergunte que raios de título é esse, deixa eu comentar sobre o último livro com título aparentemente sem noção que eu me dispus a ler. Chamava-se ‘Vastas emoções e pensamentos imperfeitos’, de Rubem Braga. Estava na casa do meu pai e eu não tinha mais idade para censura, na visão de minha mãe. Lá se vão 20 anos, nessa brincadeira.
(Interessante é que eu mesma me censurava. Nada de evitar pornografia. Meu problema era com cenas intensas para a imaginação. ‘Tubarão’ só foi lido até os restos da primeira vítima serem encontrados. Até hoje lembro da descrição da moça percebendo que a própria perna não estava mais lá, a sensibilidade diminuída pela baixa temperatura da água a fez pensar que havia apenas batido numa pedra, mas o tubarão já havia feito ‘nhoc’, se vocês me entendem. Ainda fico enjoada quando lembro. E de lá pra cá o que eu vi e li de coisa assustadora não tem comparação, mas a sensação persistiu. Nunca mais procurei o livro.)
Detestei. Absolutamente detestei ‘Vastas emoções e pensamentos imperfeitos’. E gosto das crônicas do Rubem Braga. O livro é uma salada sobre uma viagem ao Velho Mundo, jóias, um milionário suspeito e fiz questão de esquecer o resto da história, além de gravar o nome de um dos piores livros que já li. Pra não correr o risco de ler de novo por engano.
Com esse histórico, eu deveria ter começado ‘Minúsculos Assassinatos’ mais ressabiada. O problema é que eu adoro a autora (e ela sabe disso). Não, a Fal não é uma amiga minha. Eu a conheci (e ao trabalho dela) devido à internet e a uma amiga que indicou o blog dela e de mais algumas escritoras. Há quatro anos, eu leio o ‘Drops da Fal’ e recomendo a todos que conheço. Com uma ressalva: esvazie a bexiga e não leia de boca cheia. Acidentes são altamente prováveis.
Às vezes, tenho absoluta certeza que meus vizinhos vão chamar a polícia. Em cada local que morei, quem estava por perto deve ter ouvido gargalhadas histéricas no meio da madrugada. A polícia nunca veio, mas eu continuo aguardando. Devidamente munida das receitas dos controlados, os telefones da psiquiatra e o mais recente atestado de doença sob controle.
(Alguém me apelidou na infância de ‘traça de livro’. Acho que foi minha mãe. É um termo bem preciso para o que costumo fazer com tudo que esteja escrito, seja livro ou rótulo de lata de leite em pó. Veríssimo certa vez escreveu que deve haver um nome para essa compulsão pela palavra escrita, mas ele ignora qual seja. Se alguém souber, por favor se pronuncie.
Poucas vezes eu soube ler algo devagar. Sempre me atirei tão sofregamente às publicações que invariavelmente preciso reler uma história várias vezes até absorvê-la por completo. Eu costumava dizer que terminava o livro sabendo quem era o assassino, mas sem saber como haviam descoberto o culpado, de tão ansiosa para chegar à última página. Ler em outras línguas me ajudou nesse processo de autodisciplina. Hoje em dia, eu leio menos e melhor. Mais devagar. Ou seja, quase na velocidade que os outros lêem.)
Recebi meu ‘Minúsculos’ na semana do meu aniversário. Na verdade, ganhei da mesma amiga que me indicou o blog da Fal. Completamente fora do meu modo habitual, eu demorei alguns dias para abrir o livro. A última vez que fiz isso foi com ‘Por um Fio’, do Dr. Dráuzio e quando comecei, terminei de me apaixonar pelo colega de profissão. Fiquei eternamente grata a quem me deu o livro de presente.
A dedicatória do livro me tirou a fala. O tema do livro me deixou perplexa. E a minha massagista sem entender nada, ela que virou admiradora de Fal de tanto me ouvir falar do blog, comentar sobre os posts e ler as crônicas dos outros livros durante as massagens. Deixei pra começar a leitura durante a massagem e não conseguia falar nada. Com a voz embargada. Precisei de mais dois dias pra passar da dedicatória.
(Eu não conheci Alexandre pessoalmente, mas lembro dele respondendo aos recados do LV no trabalho dele quando o PC de Fal pegou fogo ou coisa que o valha. Acho que Fal falava tanto de todo mundo que lia o blog dela, que ele respondia como se também conhecesse todo mundo. Essa semana, montando a árvore de Natal, encontrei um cartão do Natal de 2005, de ‘Fal e Alexandre’. Lá se foi a voz de novo.)
Pensei num livro de crônicas e veio um romance. Pensei em algo pra me fazer rir e esquecer os últimos seis meses. Veio uma história que me fez reordenar o rumo do pensamento e colocou tudo nos eixos. Precisei de duas semanas inteiras para ler tudo. Não tive coragem ainda de reler. A história está assentando, ‘decantando’ como diria meu professor de Ciências no primário. Quis comentá-la primeiro com a autora e só agora posso emitir uma opinião sobre o que li.
Alma não é Fal, não sou eu, mas poderia ser. Ainda que eu não seja alcoólatra, não tenha perdido uma filha, não tenha tido aqueles pais, aquela irmã, nada. É tão diferente e tão igual a cada uma de nós que chegar a assustar. Porque todos somos potencialmente solitários, potencialmente indiferentes aos presentes que a vida oferece até ser tarde demais, potencialmente sobreviventes, potencialmente vencedores tardios.
(Eu prefiro Fal escrevendo crônicas leves e cômicas sobre os ridículos que todo mundo passa, mas ela é como meu ortopedista: toda vez que algo dói, eu marco uma consulta. Ele mexe e remexe a articulação do momento, aperta aqui e ali, me faz reclamar que está doendo mais depois do exame físico. Então, dá o nome de uma doença que eu nunca ouvi falar nas aulas de ortopedia, explica detalhadamente a fisiopatologia, a terapêutica, e acrescenta que vai pedir um exame complementar por via das dúvidas. Eu nunca precisei de exame pra confirmar. Ele sempre acerta o diagnóstico e o tratamento. Assim com a Fal.)
Encontrei Fal no MSN e não resisti: ‘Fal, você tinha que escrever um livro tão parecido com todas nós?’
Um comentário:
ah, meu bem.
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