quarta-feira, dezembro 17, 2008

Sonhando com liberdade

O bom da internet é que, com paciência e algum conhecimento de línguas, você descobre o que quiser. Passei quinze anos lembrando de uma música que ouvi em 'Dirty Dancing' e eis que a internet me fornece nome, letra e até o download! Desde então, venho me divertindo com isso. Tentando saber por que falam tanto de ópera e o que estão cantando naquelas árias, por exemplo. A Wikipédia ajuda (e muito) mesmo quando a pessoa só fala português.


Há catorze anos, eu assisti à entrega do Oscar e lembro perfeitamente que 'Um Sonho de Liberdade' (“The Shawshank redemption”) foi indicado como 'Melhor Filme'. A cena exibida para apresentar a história foi a de Dufresne colocando um disco de ópera para tocar através do alto-falante da prisão. Eu precisei de 14 exatos anos, mas agora sei 'o que aquelas italianas cantavam'.


A cena é de 'As bodas de Fígaro', uma ópera de enredo intricado (e cheio de subentendidos no dialeto original), onde Fígaro é noivo de Susanna e ambos são servos de um conde que deseja exercer seu 'direito de senhor' na noite de núpcias. A condessa e Susanna armam um plano onde Susanna marcará um encontro com o conde para essa noite, através de uma carta. E quem comparecerá é a própria esposa do conde, vestida como Susanna. 'Canzonnetta sull'aria', também conhecida como 'o dueto da carta' é cantada por duas vozes femininas onde a condessa dita a carta e Susanna repete a frase que está escrevendo.


Eu (muitas vezes) me perguntei se Dufresne chegou a explicar o enredo da ópera para os colegas da prisão, ou pelo menos para Red, que era seu amigo. Durante muito tempo eu procurei a tradução de 'Rita Rayworth and the Shawshank redemption', a short novel de Shephen King que deu origem ao filme, mas nunca encontrei. Talvez eu tivesse a vaga esperança de entender melhor uma cena que não precisa ser entendida, mas sentida intensamente.



Acho que Red tinha razão:


“Não faço idéia do que aquelas italianas cantavam. Na verdade, eu nem quero saber. Há coisas que é melhor deixar sem ser dito. Acho que era algo tão belo que não pode ser expresso em palavras e faz o seu coração se apertar por causa da música. Aquelas vozes voaram mais alto e mais longe do que qualquer homem pode imaginar num lugar cinzento. Era como um belo pássaro que voou para nossa gaiola e fez os muros desaparecerem. E pelo mais breve momento, cada homem de Shawshank se sentiu livre”.


Mas, se você, anônimo leitor, é curioso como eu, aí vai:


Condessa: Oh, escreve, eu digo a você
(Susanna senta para escrever)
Condessa: ‘Uma cançãozinha na brisa...’ ("Canzonetta sull'aria ... " )
Susanna: ‘Na brisa...’ ("Sull'aria ... ")
Condessa: ‘Que suave angra...’ (Che soave zeffiretto ... ")
Susanna: ‘Angra...’ ("Zeffiretto ... ")
Condessa: ‘Irá sussurrar esta noite...’ ("Questa sera spirerà ... ")
Susanna: ‘Irá sussurrar esta noite...’ ("Questa sera spirerà ... ")
Condessa: ‘Entre os pinheiros do bosque...’ ("Sotto i pini del boschetto.")
Susanna: ‘Entre os pinheiros...’ ("Sotto i pini ... ")
Condessa: ‘Entre os pinheiros do bosque...’ ("Sotto i pini del boschetto...")
Susanna: ‘Entre os pinheiros... do bosque...’ ("Sotto i pini... del boschetto...")
Condessa: E ele entenderá o resto. (Ei già il resto capirà.)
Susanna: Oh, sim, certamente ele entenderá o resto. (Certo, certo il capirà.)


Para quem não conhece o blog: eu não sei italiano, mas estudei francês e inglês e conheço espanhol. Essa tradução é desta página, que exibe o texto original (em italiano) e a tradução em inglês. Eu sei que 'tradução da tradução' é quase um crime, mas se nem na Wikipédia eu encontrei, pelo menos dá pra ter uma idéia. Crime mesmo é não encontrar uma única ária da ópera mais famosa de Mozart com tradução para o português.


P.S.: Coincidentemente, meus dois filmes prediletos 'de prisão' são do 'Mestre do Terror': 'The Green Mille' e 'The Shawshank redemption'. Eu não gosto de terror, mas a-do-rei 'The Green Mille' ('À Espera de um milagre'), filme E livro. E se você é aficcionado por cinema, eis o script de The Shanwshank Redemption.

2 comentários:

Maurício disse...

Bah sou muito grato a ti por ter escrito esse texto, já tava desistindo de procurar a tradução dessa música ou entender o que significava, quando me deparei com teu texto. Muito obrigado. Bjoo.

Odessa Valadares disse...

Não por isso. Acho que cultura deve ser partilhada. Um viva à internet!