Eu me lembro da primeira vez que li sobre como conviver com deficientes. Era um cartaz, afixado na parede de uma clínica pública onde fui fazer um exame. Explicava que a cadeira de rodas é uma extensão da pessoa, que dizer 'ver' e 'enxergar' diante de um deficiente visual não é ofensa, que quem não escuta precisa ver seus lábios, etc. Eu tinha uns onze ou doze anos e não me ensinaram isso na escola.
Eu sei que muita coisa não se aprende na escola, mas a minha escola tem um curso técnico de Economia Doméstica e 'Etiqueta' é matéria obrigatória. Na minha época de aluna, o máximo de atenção que se deu ao assunto foi avisar que não é deselegante um canhoto inverter o uso dos talheres e a posição dos copos. Talvez tenham falado mais que isso e eu não prestei atenção, mas acho improvável. Minha nota foi alta na matéria. Posso ter esquecido desde então e lembrar justamente disso porque sou canhota.
De lá pra cá, eu convivi com muitos deficientes e aquele cartaz me ajudou (muito!). Trabalhei num colégio que dá aulas de diversos esportes para deficientes e era referência no Estado de Pernambuco. Eles faziam piadas incríveis como na vez em que examinei toda a equipe de natação (composta de deficiente visuais): 'Doutora, pode examinar todo mundo ao mesmo tempo. Ninguém vai olhar'. Era um exame dermatológico e eu ri durante toda a consulta. Até hoje me lembro de como esses deficientes físicos e mentais se mostravam à vontade com suas limitações.
O que eu não conseguia achar era literatura ensinando COMO conviver com eles. Comecei a estudar LIBRAS (Linguagem Brasileira de Sinais) há pouco por causa de três pacientes meus, irmãos, que dependem de uma intérprete para consultas. Na faculdade, vi um paciente cardíaco que não sabia ler nem escrever, nem sabia LIBRAS. A própria família não se comunicava adequadamente com ele. Imagine colher uma história médica assim!
Numa outra ocasião, atendi uma deficiente auditiva, grávida e abortando após uma queda. A mãe saiu pra conseguir um transporte, a emergência estava um caos e só depois da expulsão do feto eu percebi os desenhos na camisa dela, indicando palavras com mãozinhas. Na época, eu sabia um pouco (muito pouco) da LIBRAS e sinalizei 'Você fala?'. Ela disse 'Sim'. Saí correndo atrás do cartão com o alfabeto manual e pedi pra batizar a criança, que estava morrendo. Foi minha máxima comunicação com um deficiente auditivo. A mãe dela voltou e comentou 'É, ela sabe fazer uns sinais pra falar com a professora'.
Onde moro, há um colégio que dá aula da LIBRAS. Estou esperando abrir uma turma e enquanto isso, encontrei algumas apostilas nas bancas pro caso de aparecer outro paciente (aqueles irmãos moram na antiga área que eu trabalhava). Sei que a maioria das pessoas não convive rotineiramente com deficientes, mas todo mundo conhece alguém, já viu alguém ou sabe de alguém que conhece um deficiente. Se você vai receber um deficiente em casa, agora existe um livro em português orientando como fazê-los sem gafes: “Vai Encarar? A nação (quase) invisível de pessoas com deficiência”, de Cláudia Matarazzo. Não li ainda, mas já estou indicando.
P.S.: Sim, tem o marcador 'Economia Doméstica' porque na minha escola técnica dão aula de etiqueta. Você nem imagina o quanto economiza ser educado.
Um comentário:
Cherie, eu morro de vontade de fazer LIBRAS!!!!
Que incrível!
Lá na minha igreja tem um grupo de pessoas que trabalham exclusivamente com os surdos, interpretando todo o culto para eles. Acho lindo!
Como médica você deve passar por cada "aperto"... Aparece todo tipo de pessoas, né?
Eu concordo que a nossa informação sobre os PNE é praticamente zero, não sabemos como lidar com eles.
Vergonhoso. Eu tenho vergonha!
Não sei como iria lidar com um. Já cometi uma gafe com uma cega uma vez e ela foi muito grosseira comigo.
Ótimo post. E os livros da Matarazzo são incríveis. Vou procurar! :*
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