sexta-feira, outubro 21, 2005

Sobre pacientes e plantões

Inspirada numa comunidade do Orkut, resolvi escrever esse manual para orientar os leigos a se comportarem num hospital, tratar humanamente os médicos (e a equipe em geral) de uma emergência.

Vale salientar que as respostas não expressam minha opinião, mas evidenciam que os médicos não são bonzinhos e podem ser vingativos. Minha opinião está nos comentários, ok?

Capítulo I- Paciente chato

Sobre a pergunta “Para vocês o que mais faz um paciente ser chato?”, as respostas de médicos e outros profissionais de saúde foram pouco variadas, o que me faz pensar que chatice de paciente é mais falta de educação que outra coisa. Claro que existe gente antipática. Em geral o que o médico considera chato é a falta de consideração com o profissional e seu tempo disponível.

Uma das respostas
“Vão me desculpar mas Paciente Chato é Pleonasmo.”

Sinceramente, esse não devia estar exercendo Medicina.

Atestado
“Duas síndromes caracterizam 90% dos pacientes chatos:
- Atestadite, seja crônica ou aguda, associada ou não a encostadite, são síndromes que fazem qualquer paciente irritar qualquer médico, sendo que ela passa após o médico escrever uma palavra em uma folha branca carimbada: ATESTADO.
- Poliqueixosismo, característica de hipocondríacos, é caracterizada pelo paciente conseguir referir cada aspecto de sua sintomatologia e até relacioná-la com eventos do cotidiano, com frases como: "me dói o peito quando eu cheiro flores" ou "me dá dor de cabeça quando eu vou aos pés". A única cura é ser extremamente gentil com o paciente e fingir que está escutando. Se for paciente do SUS, a principal conduta é receitar anti-depressivo em doses baixas”

“Paciente que pergunta do atestado enquanto a gente faz a anamnese (história da doença).”

"Será que o senhor podia me dar um atestado de 15 dias atras quando eu tive que viajar e perdi aulas na faculdade? Eu não tava sentindo nada não e só pra eu não perder a frequencia"

“Sem contar o que pede atestado, você dá uns 2 dias e ele responde: "Mas, é desde a semana passada"... "E porque não veio antes, quando ficou doente?"... "Ah... é porque eu achei que fosse melhorar"

“Bem, uma vez um paciente pediu um atestado médico DURANTE A CIRURGIA!!!!!!!!!! Ele estava sob sedação apenas é claro!
Mas vocês já viram alguém tão rápido assim?”

O atestado explicita a incapacidade do paciente em exercer sua atividade habitual. O que varia de acordo com a atividade. Pé torcido não atesta falta de operador de telemarketing, por exemplo, exceto no dia da entorse, quando ele foi ao hospital pra ser socorrido.
Atestado quem decide se precisa é o médico, não cabe ao paciente pedir, insistir ou ameaçar. É suspeito aquele paciente que ainda está no balcão fazendo a ficha e já pergunta “esse doutor dá atestado?”. Sugere que o mesmo não quer saber o que tem ou como ficar bom, ele quer é o atestado pra não trabalhar. Plantões de sábado e domingo são conhecidos por pacientes que chegam cedo muito limpos, arrumados e bem acompanhados com queixas vagas como vômitos (que já pararam), diarréia, dor de cabeça, que recusam a medicação, mas pedem atestado.
O plantão de segunda-feira é notório em qualquer parte do Brasil pela grande quantidade de atestados solicitados, com queixas de há pelo menos dois dias (suspeita-se de grandes farras e ressacas). Claro que o final de semana facilita adoecer devido às comidas de rua, às peladas etc. Mas sabe-se que há um exagero de solicitações.
Dependendo do caso, eu mesma ofereço o atestado. A gente VÊ quando a pessoa está mal e pergunta se precisa de justificativa no trabalho.
Atestado falso é crime. Se você tem um amigo médico não o constranja pedindo um. Como trabalho numa cidade diferente da que moro, me livro fácil. Médico também não pode dar atestado dos dias anteriores que o paciente faltou.


Só mais uma coisa
“É quando você faz a anamnese (história da doença), faz as perguntas necessárias e pra tirar dúvida, ainda pergunta: "mais alguma coisa que, por acaso, eu esqueci de perguntar?”. ele responde que não. Depois de ter examinado, discuto com o preceptor e ter feito a receita, o paciente vira e diz: só mais uma coisinha que eu deixei pra falar no final..."

”Ou então aquele que quando você já tá liberando, que você acabou de entregar a receita e ele pede uma vitaminazinha”

“Tem aquele paciente que relata dor abdominal e que, depois de uma anamnese, exame físico, prescrição... na hora em que você acaba de bater o carimbo, ele pergunta: "Doutor, mas, e minha dor de cabeça?"

Quando o médico pergunta ‘ Mais alguma coisa?’ é hora de dizer, mesmo se você acha que a queixa não se relaciona com a doença. Nada de deixar para o final da consulta. Quando você conta o que sente o médico já está pensando no que pode ser. Muitas vezes ele já pensou, escreveu, solicitou os exames pra investigar, quando o paciente fala: "só mais uma coisinha que eu deixei pra falar no final..." uma coisinha QUE MUDA TODO O RACIOCÍNIO DO MÉDICO!
Sem falar que TEMPO é algo muito valioso pro médico numa emergência.
Quando a consulta é ambulatorial, oriento meus pacientes a anotarem tudo que precisam falar comigo na próxima vez, inclusive curiosidades, exames a pedir, efeitos do tratamento, pra não esquecerem.


Medicação controlada
“Paciente que aparece somente para pedir receita de controlado e nem quer falar nada, e vai embora sem dar tchau.”
“Pedir receita de remédio controlado.”

Evite, com todas as suas forças, ir a uma emergência, pública ou particular, pra pedir uma receita de medicação controlada. O termo ‘controlado’ significa que alguém deve ter um controle de por que o paciente usa a medicação, se está funcionando, há quanto tempo usa. Muitas dessas medicações causam dependência física e/ou psicológica. Medicação controlada é para ser prescrita pelo médico que indicou a medicação. Tenha cuidado pra não deixar faltar.

Exames
“Paciente que leva aquele catatau de exames da prima/irmã/vizinha/colega para você dar uma "olhadinha".

Entenda bem: médicos NÃO gostam de ver exames de gente que eles nunca consultaram. O que as pessoas chamam de exames apenas, são chamados pelos médicos de ‘exames complementares’. O que significa que eles complementam a história da doença e o exame físico do paciente. Um exame com resultado normal NÃO significa que pessoa não tem problema. Se você pediu um exame de sangue pra investigar anemia e ele deu normal, você não tem anemia. Você pode ter até um tumor no cérebro que isso não vai aparecer no exame de sangue.
A única exceção a essa regra são exames de casos clínicos muito interessantes. Um raio X muito diferente como um coração do lado direito do tórax é um exemplo. Se você tem algo assim, comente com o médico, se ele der um pulo de interesse e PEDIR que você traga o exame é porque ele está interessado.
Aqueles seus exames feitos há vários meses geralmente não têm valor nenhum na emergência. Na dúvida, leve tudo que tiver e diga que os trouxe caso seja necessário. Se o médico não quiser ver não fique ofendido, embora eu, pessoalmente, sempre dê uma vista (nunca se sabe). Só não vou explicar os resultados antigos, né?


Opinião da vizinha, da comadre, da avó...
“Outro grande chato é aquele que não aceita indicação cirúrgica porque a comadre disse que “é perigoso operar isso.”

Sua vizinha/comadre/avó não fez faculdade de Medicina, mas tem experiência de vida. Ouviu falar de um caso que parece parecido e acha que é a mesma coisa. Tudo bem. O que não se pode aceitar é já chegar com a opinião fechada baseado no palpite de um leigo. Se você não entendeu o tratamento, a cirurgia recomendada, tem medo de complicações ou chances de sobrevivência tem TODO DIREITO de perguntar ao médico e de receber respostas compreensíveis.
É comum receber pacientes que iniciaram o uso de antibióticos errados e intoxicados com medicações diversas indicadas pelos conhecidos, crianças que abandonaram o aleitamento materno porque a avó começou a dar um “chazinho” achando o leite da mãe muito ralo. Auto-medicação se confunde com crendices populares e é espinhoso pro médico separar as duas coisas. Falarei mais sobre crendices depois, mas entenda que medicação não é pra ser prescrita por quem não é médico. Tenho um bom caso sobre isso.
A paciente veio ao posto, vermelha da cabeça aos pés, como uma queimadura. Tinha tido uma forte dor nas costas e a vizinha ensinou um remédio “muito bom”. Por isso o vermelho. Seria por causa do remédio? Ela ainda me perguntou. Uma reação alérgica séria que a levara à emergência no dia anterior e que, se complicasse a levaria à morte, chamada Steven-Jonhson. Dei um carão pela auto-medicação (‘sua vizinha é médica? Eu tinha colega aqui e não sabia!’), suspendi o antiinflamatório, passei outro analgésico pras costas e um antialérgico. Recomendei expressamente que não usasse nada sem falar comigo e não tomasse sol de jeito nenhum. Não seria difícil me encontrar já que eu estava todo dia no posto e ela morava na mesma rua. Voltou dois dias depois, melhor. Reforcei as orientações. Voltou no dia seguinte toda vermelha. A mesma vizinha indicara “uma pomadinha” pra coceira que sentia. Novo carão. Dois dias depois, nova piora. Varrendo a frente da casa de manhã cedo (tomando sol) e conversando com a vizinha! Ou seja, a vizinha colocou-a em risco de vida três vezes em dez dias. Três vezes! Pense nisso.


Pressão
“Depois de você terminar toda a consulta de uma odinofagia (dor de garganta), ele levanta e pede pra você "tirar" a pressão...”

Pressão não se tira, se verifica. Você não está errado que querer saber a sua pressão, embora o médico que está atendendo esteja achando que a pressão arterial (provavelmente) não tem nada a ver com sua dor de garganta. Ele pode achar uma perda de tempo se tem muita gente pra atender, mas não é errado pedir. Como muita gente nunca vai ao médico sem estar doente pode ser a chance de se descobrir hipertenso. Deixe que ele faça cara feia, mas verifique a pressão.
Se o plantão estiver pegando fogo (epidemia, acidente, pacientes graves) e você não tem diabetes ou pressão alta, seja compreeensivo e peça à auxiliar de enfermagem ou marque uma consulta ambulatorial.
Na consulta ambulatorial, verificar a pressão faz parte do exame físico. Exija.


Sintomas
“o melhor são os pacientes que dizem uma coisa pra ti e dizem outra pro teu professor.”

”O especial é a melena (fezes pretas devido a sangramento). Tu aponta pra uma borracha, pede se o coco é preto que nem carvão, o paciente diz que sim, e chega o professor e o paciente diz: "não é tão escuro assim não dotô..."

Falta de atenção e falta de paciência
“perguntar mais de três vezes o que tinha acabado de explicar há minutos atrás...”

É certo que termos médicos são difíceis, que muitas pessoas têm pouco estudo, dificuldade de compreensão. Não estou falando disso. Estou falando de falta de atenção. Também existe falta de paciência, tanto do médico quanto do paciente.
Se você não entendeu, pergunte. Se for muito difícil, peça pra explicar de outro jeito. Pacientes idosos, quase surdos costumam fingir convincentemente que entenderam instruções de tratamento. Eu costumo pegá-los pedindo que repitam o que eu acabei de dizer. Um detalhe pode inutilizar o tratamento. O uso de remédio pra pressão alta sem seguir a dieta com pouco sal não funciona. E por aí vai.


“besteiras”
“só aqueles que vão ao PS lotado com dor no dedo do pé há 3 semanas e xingam a equipe porque passam um infartado na frente... É pra acabar!!!!!”

Eu pretendo escrever muito mais sobre esse tema, mas só pra esclarecer. Salas de emergências não seguem ordem de chegada, atendem primeiro quem estiver pior. E nem tudo que incomoda o paciente significa uma emergência. Mais esclarecimentos nos próximos capítulos.

No ambulatório
“Como Irritar Seu Médico em 12 Passos:
1.Comece a consulta reclamando da demora, mesmo que tenha sido atendido rapidamente. Depois, diga ao médico que ele é o terceiro que você procura pelo mesmo motivo, e que você só quer mais uma opinião, pois não confia muito em médico. Diga também aquela frase clássica:Cada médico fala uma coisa!
2. Nunca responda diretamente às perguntas. Se ele perguntar se você teve febre, diga que teve tosse. Conte tudo detalhadamente, começando, se possível, desde quando você ainda era criança ...
3. Leve sempre 3 crianças com você (nem precisam ser seus filhos), especialmente aquelas que mexem em tudo, sobem nos móveis e ficam fazendo perguntas no meio da consulta. Combine, previamente, com uma delas, para quebrar o termômetro do médico.
4. Peça receita de um medicamento controlado. Diga que não é para você, mas para uma vizinha muito amiga sua. Não esqueça de dizer que ela toma esses remédios há anos e que não fica sem eles, e que você quer retribuir um favor dela.
5. Quando o médico estiver se despedindo de você, já na sala de espera, diga bem alto, para os outros ouvirem também: "Vamos ver se agora o senhor acerta!"
6. No retorno da consulta, inicie com: "Estou pior que antes". Aproveite para incluir, no relato, novas queixas. Diga que você passou por um farmacêutico, muito antigo e muito conceituado no bairro que a sua tia mora, e ele resolveu trocar os remédios.
7. Insista para que o médico tente descobrir a causa daquela cólica que você teve há seis meses, e que desapareceu misteriosamente. Insista em contar os sintomas com riqueza de detalhes.
8. Traga os exames solicitados por médicos de outras especialidades. Se ele for clínico geral, consiga um eletroencefalograma para ele dar o laudo. Pergunte se ele faria o favor de ver a mamografia da sua vizinha (outra).
9. Descubra onde seu médico dá plantão à noite, e só passe a procurá-lo lá. Dê preferência a hospitais públicos, onde ele não ganha por ficha de cliente.
10. No final da consulta, pergunte se ele não faria o favor de dar um atestado, pois você não "teve condições de trabalhar hoje", ou, então, diga que você tinha que resolver uns probleminhas pessoais e não deu prá ir trabalhar.
11-Ao sair da consulta avise-lhe que seu cheque só deverá ser depositado quinze ou vinte dias após a mesma pois no momento sua conta está sem fundos. Ah! Não esqueça de telefonar no prazo marcado para pedir que adie o depósito...
12-Finalmente, complete a irritação dele, mandando-lhe este pequeno manual...”

Um único comentário: procurar vários médicos pra um mesmo problema não significa necessariamente que os médicos são ruins. É bem possível que o paciente seja ruim. Um mau paciente, que não seguiu o tratamento, não fez todos os exames solicitamos ou simplesmente, um impaciente. Algumas doenças são difíceis de diagnosticar e outras muitas são dificílimas de tratar. Se o primeiro tratamento não deu certo, é comum o paciente procurar outro médico e mais outro, ao invés de voltar pro primeiro. Se for conveniado de um plano de saúde, vai seguir a lista de especialistas por ordem alfabética. Insista algumas vezes com o mesmo médico, dê uma chance.

Acompanhantes
“às vezes não é o paciente, é o parente”

“Existem 3 tipos de acompanhantes em um hospital, a saber:
a) O ACOMPANHANTE GENUINO= Aquele q fornece as informações necessárias, sempre disposto a ajudar o paciente e a equipe. Nunca perturba o médico e a enfermagem. São 2% dos casos.
b) O ATRAPALHANTE= Aquele que responde qdo não lhé é perguntado nada. Que gosta de pressionar o médico. A toda hora fica dizendo: "ta acabando o soro". São 95% dos casos.
c) O ABELHUDANTE= É o acompanhante de um OUTRO paciente,que quer saber porque aquele paciente que a ambulância trouxe está sangrando pela cabeça.
Ao fazer isso, abelhudante largou o seu parente e o mesmo caiu da maca, batendo a cabeça. Os estudos mostram uma variação de 3 a 5%, dependendo do hospital.”

Cuide do SEU paciente. Ajude mais alguém se preciso, mas NUNCA abandone SEU paciente. Simples assim.

Colega
“Paciente chato é aquele que é da área da saúde....ninguém merece”

Pelos mais diversos motivos, médicos não gostam de tratar de outros profissionais de saúde. Falarei mais depois sobre isso. Só pra saber, geralmente o conhecimento na área acaba atrapalhando mais que ajudando. Provavelmente o que esse comentário quer dizer é: paciente da área de saúde tem mais facilidade de acesso ao médico e quase sempre abusa disso.

Sobrecarga médica
“vários pais ao mesmo tempo querendo saber se as crianças tiveram alta ou não e você tendo que atender mais 100 crianças lá fora...além das revisoes q você tem de fazer, ver exames, isso tudo ao mesmo tempo, é claro...”

Pra um profissional sobrecarregado, todo paciente é chato.

2 comentários:

Viva Elvis Brasil disse...

Muito bom esse post, já tive meus momentos de não paciente chato, mas de acompanhante/socorrente chato. Mas é que tem horas que eu vou te contar...

~Direto do Fim do Mundo~ disse...

Achei legal os doze passos para irritar seu medico.
Essa Segunda mesmo eu fui ao hospital, pois fize exames de saude na fabrica onde trabalhei e apontou proteinuria, e estava falando para ir fazer exames detalhados.
Nao sabia onde ir, fui no balcao e pedi informacoes, me indicaram a parte de clinica geral e da seria encaminhada a um especialista.
Demorei ao todo cinco horas e meia.
No comeco eu fiquei um pouco impaciente na fila, eu cheguei cedo, mas varios outros entravam na minha frente, minha mae entao ficou uma arara, mas dai eu falei a ela,"Eles devem ter hora marcada, eu nao tinha".
Caiu a ficha que quem nao tem tenque esperar.
Acho que sou uma boa paciente, risos, eu nunca fiz nada do que estava escrito, nem reclamei da espera, eu sai de la feliz sabe, os medicos que me atendera, tanto na parte de clinica geral quanto na parte de nefrologia foram muitos simpaticos e atenciosos, eu nao tenho o que reclamar, eu pesquisei antes sobre umas coisas, assim pude pensar em perguntas e ja tirar as duvidas na hora.
Sempre irei lembrar disso tudo que li, assim nao vou irritar ninguem!
Pensou, um paciente te irrita, e chega outro e mais outro!
Ninguem merece ne...