25.03.06
O primeiro paciente já era uma bronca. Teve uma convulsão e caiu num açude cheio de lama, que foi para os pulmões. Cinco pessoas para contê-lo e três injeções para sossegá-lo e fazer um raio-x. Seguiu direto pra capital, junto com outro que caiu da escada e deslocou o cotovelo.
Um paciente hipertenso controlado, ao ter alta após um internamento por diarréia, parou de falar antes de sair do hospital. Um AVC (derrame). Um velhinho da ala dos crônicos piorou da falta de ar. Internado há mais de um mês com infecção respiratória, só faz piorar. Deixei claro à filha dele que não havia mais o que fazer, ele estava morrendo, poderia ser a qualquer hora.
Avisei que só fizessem fichas de urgência mesmo. Muitas pessoas com gripe forte, suspeita de dengue e diarréia. Uma senhora caiu da escada e fraturou o braço. Como o senhor do AVC não melhorava, ambos foram encaminhados.
Uma moça com pedras na vesícula ficou amarela na sexta e acabou internada. Poderia ser uma infecção ou uma obstrução. Como ela já estava fazendo os exames pré-operatórios, internei-a para investigar e fazer a cirurgia logo.
O velhinho dos crônicos continuava com falta de ar. O município viznho estava sem médico. Suturei o joelho de um rapaz que caiu da bicicleta, o calcanhar de outro que caiu da moto. Uma moça entrou segurando o braço de tanta dor e acabou sendo um tumor no pulmão, provavelmente um abscesso, pois havia sinais de infecção pulmonar: febre, tosse, expectoração. Espero que não seja nada mais.
Uma senhora foi fazer um ultra-som do abdome e a médica percebeu um derrame na pleura (que reveste o pulmão). Havia falta de ar, tosse, sinais de insuficiência cardíca. O raio-x mostrou o coração dilatado. Estabilizei-a e a família conseguiu uma consulta pro cardiologista no mesmo dia numa cidade próxima.
Um senhor chegou cheio de espinhos nas costas e na cebeça. Nunca vi tanto espinho, nem tão grande e pequenos e tão difíceis de remover. Alguns tinhas mais de 1 cm. No final, ele queria pagar a mim e à auxiliar de enfermagem. Recusamos, explicamos o que era o SUS, que a gente já estava sendo paga. Então, ele mandou um lanche pra gente.
A filha de um paciente internado veio pedir que desse uma olhada nele. Desde o internamento não melhorava nada e a família queria uma definição pro caso. Não havia piorado, mas o médico da semana queria que eu explicasse o que ele tinha. Eu não tinha tempo nem pra pensar. Expliquei que não era uma urgência e, se pudesse, iria lá. Quando finalmente tive tempo, a ficha do paciente estava incompleta porque o médico da semana levou uma parte pra casa pra escrever, o que é ilegal, além de, se o paciente piora, ninguém sabe como ele estava. Liguei pro médico, comecei a perguntar como o paciente estava nos últimos dias, por que não se havia feito tal exame pra descartar tal diagnóstico. Ele foi engrossando e acabou desligando o telefone na minha cara. Depois disso, eu tenho sérias dúvidas se esse paciente foi mesmo examinado desde que foi admitido ou se os pacientes são mesmos examinados todo dia. Sem falar que eu não tinha a mínima obrigação de examinar um paciente que não apresentou intercorrência. O médico não queria sair de casa num final de semana pra justificar por que não havia feito nada pelo paciente durante a semana e jogou o serviço pra mim, que não poderia fazer nada sem a ficha completa.
Um paciente com dor de cabeça e uma hérnia foi medicado com buscopam e esqueceu que era alérgico a dipirona, apesar de interrogado por mim e pela enfermeira. Começou a inchar, a ficar rouco e sem ar. O que deveria ser uma permanência de uma hora, virou uma noite inteira e ele só não morreu sabe-se se lá porquê. Fizemos corticóide, adrenalina, oxigênio, enquanto dávamos um monte de carão nele.
Até meia-noite, não parei de trabalhar um instante. Até três da manhã era minha folga, mas uma criança com dor de cabeça há uma semana deu entrada convulsionado e me chamaram pra ajudar a colega. A menina já havia parado de respirar quando cheguei. O coração ainda batia. As pupilas dilatadas, apesar do oxigênio e do ambu indicavam lesão cerebral. Intubei-a, de máscara (havia uma forte suspeita de meningite), fizemos adrenalina, mas ela morreu. Até conter a mãe, que não aceitava que a doença tinha uma semana e não havia dado tempo nem de fazer um exame pra descartar meningite naquela noite (entre a admissão e a morte não se passaram 30 minutos), convencer o pai a fazer o exame em si mesmo, já que estava com febre no momento, fazer um calmante na mãe (que queria bater na equipe) com a ajuda da políca, acabou meu horário de folga.
Uma gripe começou a se anunciar, horrososa.
Gente com dor. Criança vomitando sem parar, e perdendo parar até que desisti e orientei reidratação oral, que deve ter durado umas seis horas ou mais. Um velhinho com asma grave e uma provável infecção respiratória. Um chato com uma crise de hérnia de disco que queria me convencer que o problema não era na coluna vertebral mas na perna onde havia tomado injeção há três dias pra dor nas costas, até que disse que procurasse um orotopedista urgente ou ficaria aleijado. O homem da alergia a dipirona havia voltado ao normal às seis da manhã.
Não preguei o olho.
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