sexta-feira, julho 11, 2008

Primeiro Amor


Quem nunca se sentiu amado deveria ter um cachorro. Que o diga minha mãe: ela se apossou do meu amor. No auge da pressão da faculdade, há uns oito anos, minha mãe chegou a uma brilhante conclusão.
"Quando você tinha cachorro não adoecia", referindo-se às estafas, à depressão recorrente, etc, etc. E tanto cismou que me convenceu a ter outro cachorro. Eu já tivera três vira-latas em minha infância. Não poderia ter um, sem saber o quanto cresceria, num apartamento pequeno. Minha vizinha tinha uma yorkshire, mansinha, tranquilona, nunca latia. Parecia perfeito. Lembro que trabalhei muito pra juntar o dinheiro, que escolhi nome antes mesmo da criatura vir ao mundo. Então nasceu Jolie ("bonita", em francês) e todo mundo em casa se apaixonou. Talvez porque fosse nossa primeira fêmea. Lacinhos, roupas, multirão numa infestação de carrapatos.
Até que minha mãe me confidenciou: "Por causa de Jolie, perdi meu medo de cachorro". Eu quase caí pra trás. Depois de três cachorros grandes, descubro que minha mãe tinha medo de cachorro. E que sempre me permitiu tê-los, desde os 6 anos de idade, porque eu realmente me responsabilizei por cada um. EU acordava às cinco da manhã pra limpar tudo, EU dava banho, EU levava pra vacinar. Minha mãe só precisava chamar o veterinário e EU sempre cuidei deles quando doentes.
Então veio essa doçura de criatura, tão delicadinha. Um dia, eu saí com essa: "Eu sabia que um dia eu seria tão amada a ponto de ter quem me lambesse os pés quando chegasse em casa". Existe amor maior?
Me formei e saí de casa. E meu amor mudou-se comigo. Meus vizinhos disseram que ela chorava o dia inteiro (e a noite também), quando eu saía pra trabalhar. E minha mãe, que havia se aposentado recentemente por problemas de saúde, passava o dia inteiro sozinha também. Ofereceu-se pra ficar com Jolie, e foi ficando, ficando... e se apaixonou de vez!
São a companhia um da outra. Minha mãe passou a fazer dieta corretamente por causa de Jolie. Brigam por cada pedaço de kiwi e caqui, compartilham saladas com azeite extra-virgem, ambas adoram papa de maisena (com adoçante e leite desnatado!), fazem caminhada juntas e Jolie adora água de côco. Tudo devidamente supervisionado pela veterinária. E cada dia nos vemos menos. Mudei-me de Recife há uns anos e agora , sem carro, fica mais difícil trazê-la para cá pra passar uns dias.
Mas continuo a repetir pro meu marido a mesma frase que pronunciei quando ele me pediu um relacionamento sério: "Meu primeiro amor é Jolie!"

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