sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Do Vinhos e Livros

Os palavrões não nasceram por acaso.
São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua.
Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia."Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que "Pra caralho"? "Pra caralho" tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?
No gênero do "Pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "Nem fodendo!". O "Não, não e não!" e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, absolutamente não!" o substituem. O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência.Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!". O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicínio.
Por sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um "é PhD porra nenhuma!", ou "ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!". O "porra nenhuma", como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos "aspone", "chepone", "repone" e, mais recentemente, o "prepone" - presidente de porra nenhuma.
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta-que-pariu!", ou seu correlato "Puta-que-o-pariu!", falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba...Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo.
Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do seu cu!". Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do seu cu!". Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e saia à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poderde definição do Português Vulgar: "Fodeu!". E sua derivação mais avassaladora ainda: Fodeu de vez!". Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!".Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"? O "foda-se!" aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta. "Não quer sair comigo?Então foda-se!". "Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então foda-se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se.

Millôr Fernandes, humorista, teatrólogo e jornalista carioca



Sinceramente, perfeito pra hoje, depois do Prefeito de porra nenhuma- que me decidiu me demitir sem nem falar comigo porque ouviu falar que eu gritei com o povo do posto (que gritou comigo, eu não)- não pagou nem os dias que trabalhei no posto nem os plantões do hospital. "Talvez no próximo mês". Agora que não tenho dinheiro pra porra nenhuma, resolvi gritar "foda-se" pro mundo: desisti ser médica. Não volto pra profissão nem fodendo, aliás, prefiro foder por dinheiro que voltar a ser médica.

3 comentários:

Anônimo disse...

a gente sabe que é barra, mas também temos que ter muito cuidado para não dizer coisas das quais podemos nos arrepender...

Odessa Valadares disse...

Tb desisti de palavra. Portanto, não acredite em tudo que digo.

Lylian disse...

Muitas vezes tenho vontade de gritar aos quatro ventos um belo de um palavrão e fico com raiva de mim mesma por não fazer isso, ficar guardando a raiva dentro de mim. Concordo que em algumas situações realmente é melhor guardar mesmo dentro de mim porque não dá para sair gritando na cara de uma mãe chata um palavrão quando ela vem questionar ou fazer algo passando por cima de uma regra ou resolução da superindente da escola ou ter sido providenciado algo que foi pedido dez minutos antes e por telefone - detalhe - no melhor estilo "eu não tenho educação nenhuma e você vai ter que conviver com este fato sua ridícula". Aff que eu sofro viu por ser tímida e não ter a coragem necessária para chutar o pau da barraca.