segunda-feira, setembro 16, 2013

Por que eu vim pra cá?

A cidade em que trabalho é tão pequena que parece uma daquelas desenhada nos livros de escola: numa única rua estão secretaria de saúde, praça, hospital, correios, colégio, matriz, posto de saúde... O resto são povoados e eu trabalho num deles. Pra entrar no município, a gente cruza uma ponte pintada de azul, amarelo e vermelho, cheia de luminárias que parecem lampiões. A estrada é cheia de flores que parecem uma mistura de girassóis com margaridas. Eu olho aquilo e penso na Toscana.

A cidade em que moro é vizinha e bem maior, em comparação. Quando saio pro trabalho, algumas lojas estão abrindo e sempre, sempre, eu me lembro de Meg Ryan em 'You've got mail' a caminho do trabalho enquanto as lojas abrem no Upper West Side. Espero meu transporte diante da maior (e melhor) padaria daqui, sempre lendo um livro, pra não cair em tentação e comprar alguma coisa de lá. Quando eu volto, passo pela padaria e finjo que não vejo, atravesso a praça principal da cidade, que tem uma fonte enorme (nunca entendi o motivo da fonte, só penso em foco de dengue) e uma sorveteria, com gente que não se preocupa com diabetes, nem calorias.

Morar em cidade de interior é ouvir música o dia inteiro pelo sistema de som da cidade. A mesma fita está tocando, com as mesmas músicas, desde o ano passado, eu acho. A gente acerta o relógio pelo sino da matriz. Ele começa a tocar às seis da manhã, mesmo aos domingos, e para lá pelas oito da noite. Às seis da noite, a igreja e o sistema de som competem pra informar a hora. Um toca a Ave-Maria de Schubert, outro saúda Nossa Senhora com Chitãozinho e Xororó. Todo santo dia.

Aqui, as pessoas dizem 'bom dia' quando se cruzam, mesmo se não se conhecem. Também dizem 'boa noite'. Mesmo quando não dizem, olham nos olhos da gente e muitos sorriem. Ah, aqui não tem engarrafamento. Aliás, só colocaram semáforo nas ruas um dia desses. Ainda não tem guarda de trânsito. Ninguém leva multa. Dia de feira, o trânsito vira uma confusão. Mas a feira é a mais organizada e limpa que eu já conheci. É ótima pra encontrar meus antigos pacientes, inclusive. Imagine a surpresa deles ao me encontrar, de jeans e sandália, fazendo feira.

O bom de cidade pequena é que você sabe o nome do gerente do mercado, da dona da casa das plantas, da loja de material de construção, do armarinho, da única banca da cidade e eles sabem o seu (ou pelo menos, no meu caso, me chamam de 'doutora'). A dona da lanchonete me chama pelo nome mesmo, a da farmácia também. Sem falar que tudo, tudo isso, fica a uma ou duas ruas da minha casa. É realmente um pulo pra resolver tudo.

Mas o que eu acho mais bonito aqui é que nessa época é aniversário da cidade. O povo enfeita tudo pro desfile e faz questão de participar. Tem exposição de animais, missa do vaqueiro, o desfile, a vaquejada. Não é a minha praia, mas eu respeito a animação.

A cidade é tão grande e tão movimentada que as lojas fecham às sete da noite, exceto as lanchonetes. É perfeita pra mim, que posso virar a noite lendo, vendo série e filme, escrevendo, navegando. Espero que nunca eu precise provar que faço essas coisas. Eu não teria álibi nessa cidade. Aqui todo mundo dorme com as galinhas.

2 comentários:

Paulo Xaxá disse...

Não vou rasgar seda, mas foi um dos mais belos posts que li neste blog; emociona a descrição da simplicidade das coisas que você descreveu, por que não há como comparar com o meu dia-a-dia morando em Recife.

Pode não ser a desejada Toscana, mas fico feliz em saber que a simples Surubim têm-lhe servido tão bem :-)

El Lo Hermanitto

Odessa Valadares disse...

Toda vez que eu ouvia o sino da matriz, dava vontade de escrever a respeito. Saiu esse post. :D