segunda-feira, janeiro 26, 2009

'Nada de novo sob o sol'

Meu avô já dizia: 'amigo em ambiente de trabalho não existe'. O velhinho já se foi há 16 anos e a frase continua valendo. Seus colegas adoram você? Eles também adoram seu antecessor e adorarão o sucessor, exceto se forem insuportáveis. Seus clientes/pacientes/comunitários estão felizes com seu retorno? Tenha certeza que eles tratam bem qualquer um que não dê patada neles.

Não, eu não briguei com ninguém, anônimo leitor, mas é só voltar pro batente que tudo reaparece. A versão oficial: o tribunal de contas do município intimou o gestor a fazer concurso público urgente até março. Então, contrato nenhum foi renovado, nem mesmo os nossos. Como somos serviço essencial, continuamos trabalhando, recebendo (isso é outro tópico) e esperando o concurso (que já foi anunciado há dois anos e nada). Motoristas não são serviço essencial, então, todos os carros que nos transportavam, exatamente pros sítios mais distantes... não estão prestando serviço!

Diariamente, desde que eu voltei da licença, as equipes destes sítios distantes, ficam correndo atrás de um transporte pra conseguir chegar no trabalho. Se fossem postos em área urbana, nem tinha conversa: a gente pegava uma moto, ia a pé, em carro próprio (quem tem), ou algo do tipo. Mas 20 quilômetros? Existem lotações para os sítios, sem horário fixo e que não voltam para a cidade à tarde (quando encerramos o atendimento). Então, eu poderia ir por conta própria e ficar sem voltar pra casa, simples assim.

Resultado: eu estou impecavelmente pronta às 8 horas da manhã e só chego no trabalho às 10, 10 e meia, 11 horas! Danada da vida pelo tempo perdido, pra atender um público danado da vida por estar esperando desde 6, 7 da manhã (porque chegam cedo pra pegar uma ficha) e que está se lixando pros motivos do atraso da equipe. Todo dia eu perco tempo explicando por que me atrasei.

O lado bom: quando eu tinha carro próprio, eu chegava às oito em ponto no posto e visitava qualquer casa, com poeira, lama ou ladeira, sem nunca pedir uma ajuda de custo da secretaria. Portanto posso lembrar à população disso pra convencer que não é má vontade. O lado ruim: o carro da prefeitura tem hora pra me resgatar, então não posso atender com calma, nem acrescentar pacientes extras. Hoje, eu atendi 18 pacientes e mandei outros sem atender porque eram 10:30h quando cheguei. Terminei às 13:30h, preeenchi a papelada (mais meia hora) e às 14 em ponto comecei a esperar o carro. Ele apareceu às 15 horas, depois de inúmeros telefonemas (existe ainda a possibilidade de esquecerem de me resgatar) e meu estômago roncando ('não, dona fulana, não faça almoço porque hoje sou só eu e o carro vem cedo, almoço em casa').

Quando tínhamos um motorista fixo pro posto, eu atendia de 30 a 40 pacientes até às 14 horas. Eu atendo tantos pacientes quanto meu tempo permitir. Só não sei atender como certos 'colegas' que não deixam o paciente sequer sentar. Houve dia de sair seis horas da noite do sítio porque havia gente demais e eu não mandei nenhum de volta. Não é má vontade minha estar me recusando a atender agora.

Agora me explique, anônimo leitor: como um 'serviço essencial' num sítio funciona sem carro? Nem perca seu tempo comentando que eu devo falar com meus superiores, com coordenador de PSF, secretário de saúde, responsável pela secretaria de transportes. Você, obviamente, não trabalha com política.

Em tempo: eu nunca me dignei a ir à secretaria de saúde pra mendigar um carro desde que essa confusão começou, telefono ocasionalmente e comunico que estou à espera (aquela 'Odessa' morreu, vivo repetindo pros pacientes). Fazendo o quê? Escrevendo, estudando pro concurso e escrevendo ainda mais. Quinta passada, a enfermeira do meu posto perdeu a paciência e foi no carro novo dela (tudo bem um dia ou dois, mas sempre? E numa zona cujas estradas exigem um Toyota Bandeirante?). Quando ela veio me buscar, eu sorri e me desculpei pela demora ao abrir a porta: 'Desculpa, eu estava em Vegas'.

Ela entende.

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