quinta-feira, maio 14, 2009

Dor de Cabeça e Depressão

Esse artigo do Dr. Alessandro Loiola sobre cefaléia tensional está excelente. Eu indico e acrescento:

Nome elegante pra 'dor de cabeça por causa de aperreio', a cefaléia tensional tem uma variante: a cefaléia de alta tensão. Insuportável e incapacitante. É interessante notar que pacientes poliqueixosos (múltiplas queixas importantes numa mesma consulta, que 'vivem no consultório médico') geralmente se queixam de alguma dor recorrente, que já foi investigada por mais de um médico, medicada com diversos fármacos, sem resolução ou alívio efetivo. Dessas dores, a cefaléia é a mais comum.

Na verdade, dor de cabeça não é uma doença, mas um sintoma, um aviso que algo não está certo (mesmo que seja só por ter passado da hora de comer) e eu conheço pelo menos duas pessoas próximas que sofrem de cefaléia (ambas 'têm enxaqueca' diariamente) há mais de uma década. Nenhuma das duas pessoas aceita que a causa está relacionada... a depressão!

Anônimo leitor, viver com dor de cabeça, dor nas costas, dores no corpo que os médicos não descobrem o que é e que não resolvem pode ser um sintoma de depressão. A população (e parte da classe médica) ainda associa depressão com gente triste e chorosa. Eu não sei qual a definição mais atual, mas como profissional e paciente, declaro: uma pessoa com depressão é alguém cuja qualidade de vida é insatisfatória porque todas (ou a maioria de) suas atividades diárias não causa prazer e/ou causa algum grau de desconforto, levando a crises de tristeza, ansiedade E/OU irritabilidade importantes. É alguém sem alegria de viver e que não acredita mesmo que há solução pra isso, porque acha que já tentou de tudo ou que sua personalidade é aquela e pronto.

Quando eu era estudante de Psiquiatria (isso já faz uma década), aprendi assim:
- existe depressão reativa a uma situação específica (luto, empobrecimento ou enriquecimento súbito, diagnóstico de uma doença grave,perda de emprego, aposentadoria, depressão pós-parto, etc),
- existem doenças que têm depressão como sintoma (dizemos o paciente tem 'sintomas depressivos' no hipotiroidismo, por exemplo, e não que o diagnóstico é 'ele tem depressão e hipotiroidismo'. Isso inclui as doenças psiquiátricas, como Psicose maníaco-depressiva. O paciente é maníaco-depressivo, bipolar ou como quer que chamem agora, mas ele não é 'depressivo' ou 'tem depressão'. É outra doença),
- existe a verdadeira depressão (que é mais comum em mulheres, geralmente há mais de um caso na família, é relacionada à deficiência de serotonina, etc).

A cada vez que converso com minha ex-professora de psiquiatria, tem tanta novidade sobre depressão que dá vontade de voltar pra faculdade e estudar tudo de novo, por isso devem ter mudado a classificação, mas o que importa é: depois que depressão tornou-se uma doença conhecida (graças ao PROZAC, primeira medicação efetiva, os pacientes foram melhorando e comentando com outras pessoas o que era depressão e que tinha tratamento), muitos médicos não têm como alegar que não sabem o que é isso e quais os sintomas!

Ocasionalmente eu recebo um(a) paciente no PSF cuja ficha mostra diversas consultas anteriores com os médicos que me precederam no serviço. A pessoa tem dor de cabeça (habitualmente os 'colegas' nem descrevem as características da dor, vão logo escrevendo 'Enxaqueca. Conduta: Neosaldina' ou algo semelhante), não dorme bem, tem umas dores imprecisas pelo corpo, é conhecida na família como 'chata', 'briguenta', 'reclamona', 'exigente' e briga até com as paredes ('ranzinza' não é preciso o suficiente pra um paciente com depressão descompensada). Ele/a não vive chorando, nem pensando em se matar, então os médicos não pensam em depressão.

E assim, essas pessoas vivem tomando analgésicos (há estudos sugerindo que mesmo dipirona e paracetamol causam dependência química), brigando com todo mundo e sendo evitadas pelos outros 'porque ninguém aguenta fulano/a', infelizes e tornando os outros infelizes, acordando para mais um dia de uma vida difícil e carregando um peso desnecessário. Causa-me uma satisfação impossível de descrever quando uma dessas pessoas volta e me diz que a medicação que eu prescrevi está ajudando, que a dor passou ou diminuiu, que o casamento melhorou, etc. O problema é quando a pessoa descobre que precisa usar a medicação todos os dias. Como na diabetes, hipertensão arterial ou hipotiroidismo, o tratamento da verdadeira depressão é contínuo e inclui outras medidas além da medicação, e nem todos aceitam essa mudança de vida.

A propósito:

'Just Another Day, de Jack Vettriano'

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