sábado, maio 02, 2009

Falando em doença familiar...

MAMOGRAFIA NO SUS AJUDARÁ A REDUZIR CÂNCER DE MAMA NO PAÍS
Rio de Janeiro - O diretor da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), RobertoVieira, disse que a entrada em vigor da lei que estabelece a realização de exames de mamografia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para mulheres acima de 40 anos vai ajudar a mudar o quadro brasileiro de câncer de mama. Para ele, o quadro de tantas mulheres morrendo da doença "é vergonhoso". A Lei 11.664/08 começou a vigorar nessa quarta-feira (29). Segundo Vieira, a cidade do Rio de Janeiro quase não apresentava casos de câncer de mama. Hoje, o município lidera o quadro no país, com cerca de 4 mil casos, desbancando Porto Alegre. A capital gaúcha era a primeira do ranking até há bem pouco tempo e agora registra somente 800 casos. De acordo com o médico, é preciso reverter isso, sensibilizando as entidades públicas e privadas e também as mulheres a fazer a mamografia, para que, em vez de a paciente descobrir um câncer avançado, ela possa detectar ainda em estágio inicial, com possibilidade de cura. Roberto Vieira esclareceu que o câncer é impalpável. E quando uma mulher, por meio do exame manual, constata a presença de algum nódulo, “ele talvez já exista há 15 anos”. Fonte: Agência Brasil. (30/04/09)



'The Opening Gambit', de Jack Vettriano.

Por esses dias, enviaram-me um email onde o Hospital do Câncer de Pernambuco relatava que apenas 3% das mulheres com câncer de mama que são atendidas ali, chegam no estágio inicial da doença. E que a principal causa é (pasme, anônimo leitor!) porque os médicos NÃO pedem a mamografia como exame de rotina. Eu não sei se é porque eu perdi minha tia paterna predileta com câncer de mama (e ela não foi a única mulher da família a morrer da doença), porque tive mais de uma paciente em estado terminal por causa da doença ou porque eu faço como manda o livro, mas o fato é: eu peço Mamografia Bilateral anualmente a TODAS as mulheres com mais de 40 anos. Se há casos em parentes de 1o grau, peço a partir dos 35. Muitas dizem que não precisa, que não estão sentindo nada. Eu escrevo no prontuário: 'Paciente recusa a solicitação de mamografia', da mesma forma quando recusam o exame de prevenção do câncer de colo uterino ou a aplicação da vacina de tétano ou a endoscopia digestiva.

O segundo problema (a meu ver, não tenho dados sobre o assunto) é que existe um número limitado de exames autorizados para o serviço público. 16 mamografias por mês é a cota pra cidade onde eu trabalho. Ora, 16 eu chego a pedir numa única semana! E só no meu posto. Existem mais cinco USFs no município. Essa é a realidade: não há vagas para o exame, o que desestimula os médicos a pedirem como rotina.

Se você não acredita, veja minha situação em relação aos homens com mais de 40: o PSA (exame de sangue que faz parte da investigação de câncer de próstata) é caro e nem sempre é disponível pelo serviço público. O diagnóstico do câncer de próstata é feito por uma tríade: toque retal, PSA e ultrassonografia da próstata. Se um desses exames estiver normal, não se exclui o diagnóstico. Ora, os homens não aceitam ser examinados fisicamente (eu trabalho numa zona rural, imagina!), há poucas vagas para ultrassom de próstata e o PSA está 'suspenso, por enquanto'. Essas pessoas NÃO TÊM condições de pagar os exames. Eu fico constrangida, sim, quando um paciente diz que fez um sacrifício, mas que fez todos os exames que eu pedi (alguns não têm paciência de aguardar meses para a realização dos exames de rotina e vendem uma vaca, uma cabra, pra bancar o custo).

Droga! Eu peço um monte de exames de rastreio, a maioria é considerada desnecessária porque o paciente é assintomático, mas eu trabalho com PREVENÇÃO e PROMOÇÃO à saúde, não apenas com CURA e REABILITAÇÃO. Eu sou EDUCADORA EM SAÚDE, algo que a maioria da população médica não se dá conta, mas é. Logo, eu DEVO dosar o colesterol de uma criança magrinha que tem pai, mãe ou algum parente com hipercolesterolemia. Foi assim que descobriram a hipertrigliceridemia de meus primos com menos de dez anos de idade, prevenindo uma diabetes em idade precoce. Quando o serviço público dificulta (ou inviabiliza) o acesso a exames complementares mais sofisticados (e mesmo a alguns básicos, um pouco mais caros que um hemograma), o próprio médico se vê num dilema horrível: tirar COMIDA do prato do paciente pra que o mesmo custeie um exame que pode diagnosticar uma doença que mata. Ninguém deveria fazer essa escolha.

(E antes que alguém questione o custo desses exames de rastreio, saiba que eu tenho noção do valor desses exames e sei que sai mais barato dosar colesterol que pagar a medicação pra baixá-lo, quando dieta e exercícios físicos não são suficientes, além de pagar a diária numa UTI por causa de um infarto, o cateterismo diagnóstico, o pagamento do benefício do INSS porque o paciente não pode trabalhar depois do infarto, etc. Eu li em algum lugar que cada 1 real que você gasta em prevenção de doença equivale a 3 reais gastos em tratamento da mesma doença e suas complicações)

Então, eu diariamente escrevo em prontuários: 'O paciente ainda não fez o exame tal', 'o paciente não pode realizar tal exame, tomar tal medicação, por razões de custo'. Mas eu peço, sim, os exames. E nunca tive uma mamografia com nódulo que se revelou maligno. Isso significa que os tais 3% foram enviados por outros colegas previdentes. Talvez eles também tenham perdido alguém e se lembrem de pedir a mamografia. Só espero que realmente aumentem as cotas e que não seja preciso que cada médico veja uma familiar ou uma paciente querida com câncer de mama pra se lembrar que mamografia anual é rotina.

Em tempo:
A pintura de Vettriano é só pra chamar atenção pro post. Raramente ele explicita, como nesse quadro, prefere sugerir, daí a genialidade de seu trabalho.

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