quinta-feira, outubro 02, 2008

Eu bem que tentei fugir

A cada dia minha paciência diminui, meu entusiasmo míngua e minha capacidade de tradutora desaparece. É o relógio que resolveu andar a passo de galope, o tempo da licença se esgotando e nada de eu aceitar que eu voltarei a exercer uma profissão com a qual não faço as pazes.

E se você, anônimo leitor, não está entendendo nada, eu tento explicar. Depois de meses, eu entendi que posso ganhar a vida de uma porção de maneiras diferentes, mas não consigo deixar de amar o que faço, de me sentir útil e realizada como médica. E um caco quando as coisas não dão certo, ainda que não seja minha culpa, que é meu dever orientar as pessoas e cabe a elas decidir se seguirão ou não os meus conselhos. Ainda assim, a cada complicação da doença de alguém, eu perco o sono por gente que não dá a mínima pra própria saúde.

Eu aceito numa boa perder pacientes em estado terminal. A morte faz parte da vida e pode ser uma benção após um longo sofrimento. Estou falando daquele que não toma o remédio pra pressão e tem derrame, que me garante que faz a dieta e a diabetes permanece descontrolada (e eu investigando infecções, aumentando as doses das medicações e por aí vai), das mães que não prestam atenção quando a gente explica sobre os alimentos que pioram a alergia do filho mas vivem querendo mais uma receita de medicação porque a criança não pára de ser socorrida com asma.

Estou falando das vezes em que tentei fazer de conta que não me importava (como a maioria dos ‘colegas’) e fazer como a Emília (do Monteiro Lobato): “Sua alma, sua palma”. Pros que nunca leram ‘O Sítio do Pica-pau Amarelo’, isso significa, ‘então, o problema é seu’. Falo dos muitos anos em que tentei entender o sentido de insistir em fazer isso, como João clamando no deserto.
Então eu entendi: nunca iria fazer sentido. Não faz sentido. Eu terei que viver com isso, a cada maldito dia de minha vida. Não importa se eu quero ou não ser assim: eu sou assim. Isso não vai parar. Tudo que eu posso fazer é aceitar, para que a dor seja menor. Mas ninguém vai me obrigar a gostar disso.

Quando é, meu Deus, que eu vou aceitar o que Jesus Cristo disse? “Basta a cada dia o seu mal.”

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá querida, venho muito aqui, muito mesmo, aliás já frequentava seu blog anterior, mas acho que nunca comentei.
Queria dizer que eu te admiro muitíssimo, pela sua força, sua coragem, sua determinação.
O post que vc colocou quando da morte do marido da Fal, em que vc se arrastou no auge de uma crise de depressão só para dizer a ela o quanto sentia o que ela estava passando, me comoveu profundamente.
Você é um ser humano ímpar, e eu desejo só que você seja muito feliz.
Beijão
Helga

Odessa Valadares disse...

Bem vinda, 'anônima leitora' Helga! Você deve tr percebido que o 'tom' do blog mudou há algum tempo. Raras são as vezes em que comento sobre a profissão, pois me dei conta do quão angustiante era reviver cada caso, mas é bom saber que alguém acompanha minha vida.