quarta-feira, maio 05, 2010

Arte não se entende, se sente

O que é arte? O que é um artista? Sempre me pergunto onde as pessoas encontram inspiração quando assisto a filmes com roteiros e interpretações memoráveis, ou o que leva um autor a escrever sobre isto e não aquilo, por que certos pintores escolhem determinados temas ou escultores modelam formas tão estranhas que só eles entendem.

Nos meus inexperientes 15 anos, uma tela chamada ‘no escurinho do cinema’ me iniciou no conceito de ‘arte moderna’. Ainda posso ver o quadro, no alto da escada que levava ao primeiro andar do prédio da exposição. Foi o único trabalho que entendi ali: escuro, grande, com múltiplos pontos brancos, amarelos e alguns vermelhos e azuis, aqui e ali, exatamente como eu entendo o ‘escuro’ do cinema. Dez anos depois, outro quadro prendeu minha atenção. Dessa vez, eu conhecia a artista e o quadro não tinha nome. Minha tia, com o talento tardiamente descoberto, explicou: ‘Isso é uma enxaqueca’. Tive a real dimensão do significado daquele vermelho, do porquê da breve vertigem ao olhá-lo e a razão de tudo parecer tão impreciso, quando comecei a sofrer das enxaquecas da família. No auge das crises, me lembrei do quadro.

Foi quando entendi que arte não se entende, se sente. Se não é assim, por que os quadros de um parecem fotografias e outro não segue proporções e tendências, mas o primeiro não faz sucesso e o segundo sim? Por que uma dezena de atores lê o mesmo script e um único faz do personagem insuportável um anti-herói maravilhoso, um mesmo livro é adaptado pro cinema em diferentes épocas e só uma das versões é imortalizada, um escritor consegue falar ao nosso coração e outro não, ambos discorrendo sobre o mesmíssimo tema? O que faz de alguém um artista?

Minha resposta é sempre a mesma: é a capacidade de evocar sensações que torna alguém um verdadeiro artista. Um artista nos remete a outra dimensão, além da simples realidade. Em parte, essa capacidade pode ser aprendida. É o que se chama ‘técnica’. É importante, mas não fundamental. Estudantes de artes plásticas estudam técnica por anos, nem todos são bons pintores ou escultores. Tantas pessoas estudam letras e por melhor que seja sua gramática, seus textos são insípidos. ‘O verdadeiro artista tem talento’, você pode dizer. Talento, técnica, dedicação, instinto comercial, tudo ajuda um artista a ser um sucesso, nenhuma dessas respostas explica totalmente o que torna aquela pessoa genial. É a inspiração que faz de um trabalho uma obra de arte? Pode ser o ponto de partida.

O trabalho de um artista pra mim é válido quando me acompanha, mesmo quando não o tenho por perto. Vejo um filme ou leio um livro, e os lugares e pessoas continuam em mim. Arte pra mim é arte quando vale o tempo que gasto pensando na mensagem, no que senti ao vivenciar aquilo. É arte quando me dou ao trabalho de aprender uma música porque gostei dela, quando um trabalho da pessoa serve de referência pra me convencer a ver o seguinte, ou os anos se passam e continuo sentindo algo, mesmo que tenha visto aquilo apenas uma vez. Não me importa quanto vale, se vendeu milhões de cópias, quantos prêmios proclamem seu valor. A verdadeira arte não precisa de justificação. Você gosta e pronto.

É na verdadeira arte que penso ao me lembrar de uma história onde FHC teve o gabinete da presidência redecorado, e o autor do quadro escolhido pra parede principal exibiu uma tela toda verde, num único tom. O então presidente virou-se pro pintor e disse: ‘Agora explica, se é que tem explicação’.

***

A Oficina de Crônicas termina essa semana, e me rendeu o texto acima e outros mais. Preciso arranjar outro desafio literário. Alguma sugestão, anônimo leitor?

2 comentários:

Patrícia Haaretz disse...

Odessa,

Notas para a definição de um leitor ideal - ALBERTO MANGUEL

faça bom proveito! :D

Odessa Valadares disse...

Vou procurar. Obrigada pela dica!