domingo, maio 09, 2010

Quem me dera ser amada assim.

DECÁLOGO DO POETA PARA A MULHER AMADA

Vinícius de Moraes

"1 - Amar a mulher amada sobre todas as coisas.
2 - Não tomar o seu santo nome em vão,
e não brincar em serviço.
3 - Guardar todos os domingos para ela
e fazer-lhes milhões de festas.
4 - Ser um pouco pai dela e ela um pouco a mãe da gente.
5 - Só matá-la de amor, ou por amor.
6 - Pecar o mais possível contra a sua castidade.
7 - Nunca furtar para dar-lhe coisas.
Furtar é um crime vil
e a mulher que ama precisa respeitar o seu homem.
8 - Ser absolutamente discreto em tudo
que se relacione à mulher em geral.
9 - Fazer toda a força possível para não desejar
a mulher do próximo.
O preço do amor é uma eterna vigilância.
10 - Não cobiçar as coisas alheias,
pois à mulher que ama, basta-lhe o amor do ser amado
".

***
Acho que toda mulher já desejou ter sido merecedora da atenção de Vinícius. Se existiu um homem capaz de fazer da sensualidade um arte, esse foi o poetinha. Nao estou fala.ndo de lubricidade. Falo de dispor de todos os sentidos pra dar toda a atenção possível à mulher em questão naquele instante em que ele estava com a escolhida. Eu não fujo à regra. Foi assim que saiu a crônica dessa semana:

Vinícius e eu
29.04.10
Preciso confessar: Vinícius é o único relacionamento aberto que eu tive e tenho, e continua valendo a pena. Acho que é ele o tal homem da minha vida. A verdade é que temos um longo caso de amor. Nos conhecemos no ‘Livro de Sonetos’, na minha infância. Não sei como os sonetos me caíram nas mãos, mas eu não era tão criança assim e provavelmente não entendi os poemas mais quentes mesmo. Ficaram-me os sonetos de fidelidade, de separação, de intimidade, de contrição e ficamos flertando por anos, eu lendo e relendo o livro, que pertencia à minha mãe, até que uma ‘antologia poética’ me caiu nas mãos por inteiro acaso, na casa de alguém. Eu tive a antologia em mãos por uma noite apenas, porque o dono estava lendo e ia viajar com o livro. Mal dormi, e valeu cada instante porque Vinícius é um homem que mantém uma mulher acordada, mas ocupada e satisfeita. No dia seguinte, tivemos que nos despedir.
Apenas uma noite. Eu me senti roubada. Eu o queria de volta, pra dias e noites, e a eternidade, mas por alguma razão, nos desencontrávamos. Outros surgiram em minha vida, e me distraíram do meu primeiro amor. Eu soube que Vinícius era especial desde que ele me fez rir com ‘Não comerei da alface a verde pétala’. Independente de qualquer coisa, um homem tem que ser capaz de fazer rir uma mulher.

Aqui e ali, ele reaparecia em minha vida, me oferecendo mais: no repertório do coral da faculdade, numa edição comemorativa da ‘Veja’, nas primeiras palavras que meu primeiro namorado disse ao trocarmos nosso primeiro beijo. Os anos se passaram, eu me apaixonei, me decepcionei, me enganei, e o poeta ali, firme, à minha espera. Foi preciso tempo, mas eu entendi que o que tínhamos era muito especial e eu precisava dar o passo seguinte, conhecê-lo melhor e ele a mim, saber o que nos atraía, o que nos era comum e o que não era.

Quando resolvi dar uma chance, Vinícius não estava mais disponível. Eu não morava mais com minha mãe, e morria de saudades do livro de sonetos. Pedir emprestado não servia, eu o queria inteiramente pra mim porque livro de poesia tem que ser sublinhado, de leve, com lápis grafite, pro próximo dono poder apagar e sublinhar as frases dele. Se possível, a gente até data a poesia, pra saber por que gostou tanto daquilo. Livro de poesia emprestado é como suspirar pelo namorado da amiga: ou você rouba de uma vez, ou fica sofrendo por ele, até ter o seu. Nunca roubei o namorado de ninguém, como poderia roubar Vinícius de outra pessoa?

O interessante, é que nunca comprei um livro de Vinícius. Entendi desde o início que tinha que merecê-lo. A oportunidade veio na forma de uma dor de dente. Acabei na sala de cirurgia, extraindo os quatro dentes do siso de uma vez, e foi quando uma amiga veio me visitar, com outra ‘Antologia Poética’ pra ocupar meu tempo de repouso. Até a dedicatória era a de alguém que sabia o valor daquilo pra mim. Vinícius era finalmente meu!

Mal a amiga saiu, nós nos agarramos. Literalmente. Jantamos juntos e quando o dia seguinte amanheceu, ele continuava em meus braços. Essa antologia não tem ‘Quatro elementos’, um dos meus prediletos, mas afinal, não existe amor sem um defeitinho. Quando matamos as saudades de uma vida inteira, coloquei um marcador na página de ‘Receita de mulher’ e pedi tempo a Vinícius, pra entender o que se passava. Era muito intenso. Ele entendeu. O poetinha passou a dividir a prateleira com Bruna Lombardi, e mais tarde, com Mário Quintana e Fernando Pessoa. Sem ressentimentos. De fato, ele nunca foi possessivo. Me deixa livre pra escolher, e eu sempre volto pra ele, mesmo sabendo que terei que dividi-lo com outras. Ainda assim, é impossível pra mim ler apenas um soneto dele. Eu acabo folheando o livro à procura de outros. No entanto, não fui à procura do resto da obra dele. Seria assumir de vez nossa relação e eu fiquei esperando que ele tomasse uma atitude a esse respeito.

No início da semana, soube que Vinícius está na internet. A reportagem com a notícia nem havia terminado, e eu já estava à procura de uma poesia que li há mais de 25 anos e ainda não reencontrei. Essa é uma boa desculpa pra eu passar horas na frente da tela, lendo Vinícius. É a desculpa perfeita, na verdade. Porque nos últimos anos, um tal de Shakespeare anda se metendo entre nós, e já conseguiu espaço na prateleira. Já existem mais marcadores nos sonetos dele do que na antologia de Vinícius. Pela primeira vez, eu vi o poetinha aborrecido. Ele vem me lembrando que, aconteça o que acontecer, ele será o primeiro em minha vida, o mais fiel e, se eu permitir, estará sempre comigo, não importa quantas vezes eu me encante por mais alguém. Acho que foi por isso que ele resolveu se apresentar em 15 diferentes obras de uma vez, e ainda fez o favor de aparecer na crônica da semana. Está jogando pesado, e com razão.

É hora de reconhecer: nunca seremos simplesmente ‘Vinícius e eu’. Serei sempre uma das mulheres do poeta, me sentindo muito realizada por isso, porque qualquer mulher, qualquer uma, se sente linda e desejável ao ler Vinícius. O homem nos ensina a ser bonita, mesmo se na gente não tem o que se olhar. Ele não apenas cozinha, mas faz da preparação da feijoada uma poesia. Sim, ele bebe e é namorador como ninguém, mas ama a todas sem qualquer distinção. Ele aceita que eu tenha outros amores, e me apóia quando um deles acaba. Tudo que ele pede em troca é minha atenção exclusiva quando estamos juntos, porque ele faz o mesmo por mim. É pra esse instante que vivo, porque quando estou com Vinícius somos somente nós e tudo é possível

3 comentários:

Helga disse...

Caramba, que texto!
Li sem nem respirar, perfeito, maravilhoso.
Vou voltar mais tarde para ler de novo.
Você e Vinicius foram feitos um para o outro. Que seja eterno enquuanto dure.
Parabéns!
beijão

by Metrílica ;-* disse...

belissimo....adorei o texto...suspiros pela citação de Vinícius!!!

Odessa Valadares disse...

E tudo começou como um exercício semanal de escrita, veja só...