quarta-feira, maio 05, 2010

Definindo o que é o bastante

19.03.10
Há uma máxima do Tao que diz que ‘quando sabemos o que é o bastante, sempre haverá o bastante’. Não importa em que área de sua vida você aplica esse princípio. É sempre importante definir uma meta pra evitar a insatisfação comum à maioria das pessoas. Nem sempre é fácil explicar esse princípio, como nem sempre é fácil explicar muita coisa na vida. A chave está em saber segurar a atenção da outra pessoa seja como for. Conseguir, e manter, a atenção de alguém é um dom.

Alguns textos capturam nossa atenção. Muitas vezes, o tema abordado nem é tão importante, mas o modo como o autor apresenta a idéia nos prende de tal modo que a gente não consegue parar de ler. Aconteceu comigo essa semana, em ‘O que faz valer a pena’, de João Paulo Cuenca, uma crônica sobre os instantes que dão sentido e fazem a vida ser uma experiência válida. Eu não conhecia Cuenca, mas graças ao Google, encontrei o ‘Blog de Anotações’ e li mais textos dele. Não conheço metade ou mais dos exemplos citados por ele como momentos que fazem a vida valer a pena. Não importa. O que ele cita pode ser facilmente substituído pelo que eu ou você consideramos como elementos que dão colorido à história de nossas vidas. O que interessa é o modo como o autor defende cada item na imensa lista que ele descreve. Se eu conhecesse a maioria dos momentos e pessoas citadas, provavelmente concordaria com Cuenca, mas ele me ganhou nas primeiras linhas quando citou ‘o Didi Mocó nos anos 80 vestido de Maria Betânia cantando Teresinha do Chico Buarque.' Embora eu não imagine cena melhor pra descrever o trabalho de Renato Aragão (aquela é uma das cenas que fez minha infância digna de ser vivida), certamente toda pessoa tem alguma cena inesquecível pra colocar como substituto à altura.

A lista torna-se excepcional quando Cuenca começa a falar das mulheres. De repente, a gente acha que está relendo ‘Receita de Mulher’, do Vinícius, ou alguma poesia de Bruna Lombardi. Quando você termina, ou a) a gente se sente o máximo por ser mulher, embora não esteja entre as citadas, ou b) dá vontade de ser homem. Note que o autor não está fazendo uma apologia da mulher, ou defendendo que ser heterossexual é o máximo. Não. Ele reconhece nas mulheres, ou em certas representantes do gênero, um dos motivos pra gente continuar investindo na vida. Lendo outras crônicas de Cuenca, a gente percebe que as mulheres são um tema recorrente nos textos dele, o que confirma o motivo de ocuparem mais ou menos metade da lista (e da crônica).

Ao longo dos anos, meu entusiasmo pela vida cedeu, e muito. Já não me anima tanto a perspectiva de ver um filme novo, e a visão de um livro desconhecido já não me deixa ansiosa pra saber o que está escrito em suas páginas. Em parte, isso se dá porque eu já vivi o bastante pra ter minha própria lista de momentos que valem a pena, e muitas vezes prefiro revivê-los a me arriscar perdendo tempo com uma novidade que pode ou não ter seu mérito. Muitos desses momentos são cenas de filmes (ou filmes inteiros), trechos de livros e poesias, e provavelmente minha lista tem mais livros que músicas, mais filmes que cenas de minha própria vida. O essencial é que cada um desses momentos existiu porque alguém o partilhou comigo. Mesmo o passeio solitário num fim de tarde valeu a pena porque eu me permiti apreciá-lo.

A crônica de Cuenca se destaca porque ele dá seu ponto de vista, mas não tenta me convencer que o que ele diz é o certo. Ele não fica citando a opinião alheia, não se esconde atrás do nome de outro autor pra justificar o fato de gostar de A ou B. Ele gosta de Woody Allen e pronto. Ele não quer saber se você leu Nabokov. Pra ele, o primeiro parágrafo de Lolita é o que é. Ele está se lixando se eu sei quem é Keith Jarrett, se já vi algum filme de Fellini, se estive no Orsay ou no Prado, ou se concordo com minha professora de Literatura do 2º grau, que achava que Roberto Carlos é lugar-comum. Não importa. Ele definiu pra si o que é o bastante, e o único critério é se faz valer a pena. E isso basta.

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Estou começando a curtir as crônicas, mesmo com o espaço reduzido pra escrever. Quem sabe eu não aprendo a ser menos prolixa?

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