quarta-feira, janeiro 04, 2006

Feliz Ano Novo

Contrariando minhas pessimistas previsões não chegou nenhum bêbado no plantão do domingo. Inesperado, uma vez que no Natal chegaram nada menos que sete acidentes de moto ao mesmo tempo. Saldo: uma fratura de dedo mindinho.

Um senhor com uma super crise de asma. Essa novidade tem quatro anos. Ele usa a bombinha de Salbutamol bem direitinho, mas é motorista e baixou um pneu. Estava chuviscando, não ia pagar cinco reais pra alguém trocar, né?

Depois chega uma mãe, com o filho de quatro anos, que teve "uma crise". Vida sofrida. O filho tem epilepsia, ela fez todas essas simpatias que o povo ensina: trocar o nome da criança, queimar uma roupa do mesmo e por aí vai. Então levou pro neurologista, que encaminhou pra capital, mas ela perdeu o cartão do hospital na capital e não voltou mais. Não falta interesse, falta dinheiro. Às vezes, o menino chora por um pedaço de cuscuz que não tem, a comida vem dos vizinhos. Agora o pai está trabalhando, mas há seis anos que ela se inscreveu no Fome Zero, Bolsa-escola, Vale-Gás, e nada. Constrangedor, mas necesário perguntar se tem comida agora em casa. Será que a crise foi por isso? Não. E ele está tomando o remédio direito, a dose máxima pra idade. Fisicamente ele estava OK, não precisava tomar nada na emergência. Fiz um encaminhamento pra secretaria de saúde no dia seguinte, urgente, pra fazerem um novo cartão e marcarem consulta com o neurologista. Ajudar custa muito pouco, orientar já é muito.

Orientação pode ser tudo. À tarde, chega um senhor com história de uma queda há três meses. Desde então, vem todos os dias tomar uma injeção de Voltaren porque não aguenta a dor. "E o que o senhor está tomando em casa?". Nada. Todo mundo que atendeu na emergência aplicou a medicação e não passou nada pra dor, quando existe o mesmo Voltaren em comprimido, até genérico da medicação tem nos postos da Prefeitura! E tem ortopedista toda semana na cidade...

Básico, básico. A noite seguiu com uma senhora desidratada por vômitos, que permaneceu em observação até de manhã e uma paciente com dor de cabeça, aos gritos, tomando (errado) a medicação pra depressão e enxaqueca. Insistiu em não tomar dipirona, mesmo por via oral, porque "baixava a pressão". Detalhe: a pressão dela estava alta. Deu-se por satisfeita com um diazepam. Que dor é essa?

Mais tarde, chegou um pequenininho de um mês, com febre. Determina o protocolo que todo menor de três meses com febre faça exame pra descartar meningite. Naquela hora, em pleno feriado, só na Capital, umas duas horas de viagem. Cadê a mãe da criança? Tinha ficado em casa. E ele não mama? Não, senhora. Cadê a mamadeira? Ah, era só até o hospital daqui... O menino inicia uma diarréia, cadê as fraldas? Ah, eu não trouxe. De avó é essa?! Ainda foram no tal sítio, pegar a bolsa da criança. E pra pegar uma veia naquela criatura desidratada e desnutrida? Acabei passando uma sonda nasogástrica pra ir hidratando por via enteral mesmo. Fazer o quê?

2 comentários:

Viva Elvis Brasil disse...

Ganhar um prêmio ajudaria, mas acho que boas férias e muita orientação aos pacientes pra que eles ajudassem a diminuir o número de atendidos na emerg~encia seria melhor.

Odessa Valadares disse...

Educação à população ajuda, além de um bom atendimento nos postos de saúde. Tem gente que defende uma taxa simbólica (tipo 1 real) pra atendimento na emergência, pra desencorajar consultas desnecessárias. Onde arranjar 1 Real?