Contrariando minhas pessimistas previsões não chegou nenhum bêbado no plantão do domingo. Inesperado, uma vez que no Natal chegaram nada menos que sete acidentes de moto ao mesmo tempo. Saldo: uma fratura de dedo mindinho.
Um senhor com uma super crise de asma. Essa novidade tem quatro anos. Ele usa a bombinha de Salbutamol bem direitinho, mas é motorista e baixou um pneu. Estava chuviscando, não ia pagar cinco reais pra alguém trocar, né?
Depois chega uma mãe, com o filho de quatro anos, que teve "uma crise". Vida sofrida. O filho tem epilepsia, ela fez todas essas simpatias que o povo ensina: trocar o nome da criança, queimar uma roupa do mesmo e por aí vai. Então levou pro neurologista, que encaminhou pra capital, mas ela perdeu o cartão do hospital na capital e não voltou mais. Não falta interesse, falta dinheiro. Às vezes, o menino chora por um pedaço de cuscuz que não tem, a comida vem dos vizinhos. Agora o pai está trabalhando, mas há seis anos que ela se inscreveu no Fome Zero, Bolsa-escola, Vale-Gás, e nada. Constrangedor, mas necesário perguntar se tem comida agora em casa. Será que a crise foi por isso? Não. E ele está tomando o remédio direito, a dose máxima pra idade. Fisicamente ele estava OK, não precisava tomar nada na emergência. Fiz um encaminhamento pra secretaria de saúde no dia seguinte, urgente, pra fazerem um novo cartão e marcarem consulta com o neurologista. Ajudar custa muito pouco, orientar já é muito.
Orientação pode ser tudo. À tarde, chega um senhor com história de uma queda há três meses. Desde então, vem todos os dias tomar uma injeção de Voltaren porque não aguenta a dor. "E o que o senhor está tomando em casa?". Nada. Todo mundo que atendeu na emergência aplicou a medicação e não passou nada pra dor, quando existe o mesmo Voltaren em comprimido, até genérico da medicação tem nos postos da Prefeitura! E tem ortopedista toda semana na cidade...
Básico, básico. A noite seguiu com uma senhora desidratada por vômitos, que permaneceu em observação até de manhã e uma paciente com dor de cabeça, aos gritos, tomando (errado) a medicação pra depressão e enxaqueca. Insistiu em não tomar dipirona, mesmo por via oral, porque "baixava a pressão". Detalhe: a pressão dela estava alta. Deu-se por satisfeita com um diazepam. Que dor é essa?
Mais tarde, chegou um pequenininho de um mês, com febre. Determina o protocolo que todo menor de três meses com febre faça exame pra descartar meningite. Naquela hora, em pleno feriado, só na Capital, umas duas horas de viagem. Cadê a mãe da criança? Tinha ficado em casa. E ele não mama? Não, senhora. Cadê a mamadeira? Ah, era só até o hospital daqui... O menino inicia uma diarréia, cadê as fraldas? Ah, eu não trouxe. De avó é essa?! Ainda foram no tal sítio, pegar a bolsa da criança. E pra pegar uma veia naquela criatura desidratada e desnutrida? Acabei passando uma sonda nasogástrica pra ir hidratando por via enteral mesmo. Fazer o quê?
2 comentários:
Ganhar um prêmio ajudaria, mas acho que boas férias e muita orientação aos pacientes pra que eles ajudassem a diminuir o número de atendidos na emerg~encia seria melhor.
Educação à população ajuda, além de um bom atendimento nos postos de saúde. Tem gente que defende uma taxa simbólica (tipo 1 real) pra atendimento na emergência, pra desencorajar consultas desnecessárias. Onde arranjar 1 Real?
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