Claro que um sábado tão especial não deixaria de ter outras emergências.
Por volta das onze, chegou uma velhinha com diabetes, hipertensa, se queixando de falta de ar e tosse com expectoração amarela. Justo neste dia, eu não tinha um técnico de radiologia. Pelo exame físico, me convenci que ela estava com pneumonia e uma provável insuficiência cardíaca. Fiz o internamento, solicitei um parecer cardiológico, raio X, etc. Ela nem estava muito a fim de ficar, mas expliquei que podia piorar. Uma dificuldade pra pegar uma veia. “É melhor ter um acesso pro caso dela piorar, imagina pegar uma veia tão difícil no meio de uma emergência”.
Expliquei pro filho dela que aquele soro devia ser bem lento, só pra manter a veia permeável, pra fazer as medicações (pacientes cardíacos não podem recebem muito volume porque o coração não agüenta bombear, mas as pessoas ficam impacientes com a lentidão das gotas e abrem o soro, podendo matar a pessoa). Quinze pra meio-dia me chamaram, já na enfermaria, a paciente estava morrendo. Não adiantou medicação, massagem. A pressão havia subido, piorado o trabalho do coração e o pulmão se encheu de líquido. Morreu afogada no seco.
Logo a seguir, outro paciente internado vomitou escuro, em borra de café. Já é um conhecido meu. Tem esofagite e um aspecto de doente grave. Parece anêmico, mas o hemograma é normal. Nada me convence que seja só a esofagite. Pedi uma ultrassonografia. Mas naquele momento, o vômito indicava sangramento. Como ele estava estável, não tem anemia, o vômito foi pouco, resolvi observar. Se o sangramento se repetisse, eu o transferiria. Não se repetiu. Registrei no prontuário, claro.
Uma moça, 24 horas depois de começar a inchar e ter placas vermelhas pelo corpo, resolveu aparecer. Uma urticária séria, provavelmente por medicação. Enquanto fazíamos a medicação, a garganta dela começou a fechar e a opção foi fazer adrenalina. Um sufoco. Essa foi antes do parto pélvico.
Enquanto isso, chegou uma mulher que havia bebido (pouco) com uma acompanhante que havia bebido também (bastante). Você não sabia quem socorrer. Mas a paciente havia desmaiado. Tinha tido uma briga com o marido e começou a beber de estômago vazio: hipoglicemia e histeria. Quando essa estava melhorando, chegou o parto pélvico. Corre pra tirar a moça da maca, eu carregando a mulher e precisando socorrer a parturiente. Ninguém vinha me ajudar a carregar a mulher, que, ainda embriagada e dopada de tranqüilizante não andava sozinha. A filha dela veio ajudar. E acabei conseguindo entrar no carro onde a outra havia dado à luz pela metade. E segui pra cidade vizinha.
Enfim, noite. Outro banho, depois do parto. Pedi que lavassem minha bata (uma mistura de secreção de parto, sangue, fezes e graxa da maca, onde eu sentei a cavaleiro). Então chegou um rapaz com uma queimadura. A churrasqueira caíra por cima dele. Costuma beber, mas dessa vez estava sóbrio. A família negou veementemente epilepsia (depois eu soube que ele costuma ter uns desmaios). Queimaduras de 2º e 3º graus, o rapaz nem sentia dor, porque os terminais nervosos haviam sido destruídos. Peito, pescoço, parte das costas e couro cabeludo. E ainda tinha gente querendo me convencer que dava pra resolver ali, sem nem uma pomada pra queimadura! Instalei um soro em cada braço (queimado desidrata num minuto), pedi pra técnica em enfermagem levar uns dez tubos de soro (500 ml cada) pra colocar à medida que fossem secando e o mandei pra cidade vizinha, que tem um hospital regional. Ele acabou seguindo pra capital e ainda está lá.
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