A cristã acorda às cinco da manhã com medo que o despertador toque e acorde alguém na casa onde ela dorme como convidada e fica cochilando e acordado a cada cinco minutos porque dava pra dormir mais, mas ela pode perder a hora. Sai ainda com o dia amanhecendo, descobre que não nasceu nenhum menino em 12 horas na cidade. Segue pra enfermaria de Pediatria onde sempre tira gente da cama pra examinar, crianças ainda com remela nos olhos, dormindo de olho aberto. Claro que sempre tem umas pimentinhas que nem devem dormir, de tão alertas num horário desumano daquele.
A católica que não pisa na Igreja há meses vai perguntando sobre xixi, cocô, tosse, febre, catarro, etc, etc. Deveria perder a fome, mas quando termina vai tomar café, porque almoço só depois do último paciente, o que pode ser às duas da tarde. Descobre no caminho pro refeitório que um técnico de enfermagem muito querido passou no vestibular e que outros funcionários estão na lista pra serem remanejados. Avisa pra todo munundo rezar, porque ela já esteve numa lista de espera assim pra Medicina e entrou, no segundo remanejamento, na segunda entrada. Pra quem havia estudado seis meses, em Medicina, tá bom demais. No final, o diploma é o mesmo.
Ela atende um atrás do outro, crianças, adultos, velhinhas. As velhinhas e crianças adoram ela. Sei lá por quê.
Então um paciente novo entra e diz que tem AIDS. Já abriu o exame, que fez por conta própria. Dá um aperto no coração alguém ainda tão jovem com a vida comprometida assim. Ela se solidariza e abre o exame. Não reagente. NÃO REAGENTE. Ele não entendeu o que leu, não acredita nela. É difícil acreditar numa boa notícia. Dez anos com uma dúvida que virou certeza nos últimos dias, sem coragem pra mostrar prum médico, pra contar pra companheira há dez anos. É preciso mostrar que o REAGENTE que ele leu é a explicação de valores anormais, que ele entendeu errado, que a médica trabalhou seis anos na enfermaria de infectologia da capital e sabe do que fala. Ele não acredita, ela é muito nova. Ele não quer acreditar, depois não consegue chorar de alívio. O pesadelo acabou.
Hoje ela vai ter mais oração de agradecimento na hora de dormir. A Igreja? Deus entende.
2 comentários:
que coisa linda!
Dava vontade de botar no colo, dar um abraço, chorar junto, mas eu tinha que manter a pose.
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