sábado, setembro 27, 2008

Uma vez médica...

Você tiraria um engenheiro civil, amigo seu de infância, de uma licença-médica para ajudar na reforma de sua casa? Bateria na porta do seu dentista, operado de vesícula, porque está com dor de dente? Telefonaria pro seu professor de faculdade, que está numa crise de pedra nos rins, pra discutir um ponto obscuro de um texto da disciplina que ele ministra? Acho que não.


Mas ninguém, repito, ninguém entende médico doente. Pessoa alguma concebe que médico é um ser vivo, humano e passível de adoecer como o resto de nós. Ainda mais numa situação incomum como a minha. Explico: há uns dois anos, eu comecei a ter enxaqueca. Não eram grandes dores de cabeça, mas enxaquecas mesmo. Crises tão horrorosas que me levaram à emergência mais de uma vez e foram piorando de tal maneira que comecei a faltar ao trabalho. O cúmulo foi passar dez dias ininterruptos de crise.


Eu não sou dessas pacientes ruins, que se recusam a fazer exames, tomar remédios e ir a médico só porque sou médica também. Tudo que me mandavam fazer, eu, obedientemente fazia. E nada de melhorar. Finalmente, eu fui afastada por meus superiores e o médico do INSS me colocou de molho por sete (sete!) meses para tratamento.


E, eis-me 'em tratamento'. Sendo uma pessoa incomum (eu sou alguém muito simples, mas sou incomum, se você me entende), meu tratamento também é incomum. Nem vou tentar explicar aqui, mas basta dizer que está dando certo. O problema é: se as pessoas não veêm uma ferida, um machucado ou você numa cadeira de rodas, elas não percebem que você está doente. E toda vez que eu encontro alguém conhecido, eis-me explicando que ainda estou de licença. Isso não se aplica a todos, claro. Meus pacientes, que me viram no auge do sofrimento, ficam felicíssimos em me ver melhorando e asseguram que me esperam quando eu estiver realmente bem.


Mas... não parece que estou em processo de recuperação. Eu mesma me mantenho ocupada de dia a noite dentro de casa, mas com nada que se relacione a Medicina, pois descobri que essa é (ou era) a causa da enxaqueca: meu compromisso extremo com qualquer paciente. Isso não causava apenas enxaqueca, mas inúmeros outros sintomas, incluindo gravíssimas crises de ansiedade, semelhantes à Síndrome do Pânico (não me importa se não é exatamente a mesma coisa, quem ficava passando mal era eu, ora bolas!). No entanto, ontem telefonam pra mim da maternidade pois a pediatra do plantão não se encontrava lá e precisavam de um neonatologista para três cesárias de algum risco. Eu não sou Pediatra com P maiúsculo, mas sem modéstia, me viro muito bem, principalmente com recém-nascidos. E só um Pediatra mora na cidade (e estava fora, num plantão).


Depois de alguma hesitação, eu fui. 'Eu tenho que enfrentar isso alguma hora', pensei eu. E nada melhor que numa situação controlada- centro cirúrgico (número específico de pacientes e sem ninguém em sofrimento), neonatologia (eu já falei que não quero ser mãe, mas adoro crianças?), equipe conhecida. Não direi que foi exatamente fácil entrar no hospital, ouvir a cada cinco minutos 'como a senhora está bem!', sem estar nada bem, mas eu sobrevivi. E voltei mais tarde para reavaliar um dos pequenos que não nasceu 100%, telefonei à noite, hoje pela manhã e estou saindo daqui a pouco para checar tudo pessoalmente.


Não, nada de enxaqueca até agora. Porém, às seis da noite de ontem o obstetra queria que eu entrasse novamente no centro cirúrgico porque havia uma paciente... Eu interroguei sobre os sinais vitais da paciente e do feto e firmemente indiquei que transferisse. Se alguém quebrou uma perna, passou meses engessado e ainda está em fisioterapia para voltar à antiga forma, é compreensível que não esteja pronto para correr uma maratona, pois não? Quando é que as pessoas vão entender?

Eu sou médica, mas também sou gente!

3 comentários:

Anônimo disse...

Médico também é gente;
Médico também adoece;
Médico também sente medo;
Médico também é amado.

Quem não sabe disto, não quer médico, quer máquina, é burro.

Mas que por uns pensarem assim, outros não sejam prejudicados.

Seu julgamento é justo, sua ação corajosa. Fé na sua recuperação :-D

Viviane Fontoura disse...

Tô com saudades, doutora. Quando você vem?

Beijo, V

Grissom's Girl disse...

Oi, minha heróia!
E como está nosso bebezinho?
Eu ainda vou responder aquele e-mail maravilhoso que você me mandou contando a história, mas, por hora, faço minhas suas palavras: não corra maratonas.
Adorei sua atitude.
Você primeiro, depois o mundo.
Fique bem e sare logo.
Bjus!