terça-feira, setembro 30, 2008

Brincando de médica

Pois então, o tal recém-nascido ainda está internado. Complicações comuns de recém-nascido, mas que não aconselham uma alta pra quem mora em outro município, sem hospital, mãe morando num sítio, sem transporte disponível numa emergência.

E eu, que nasci com algum parafuso faltando (ou com todos os parafusos de quem nasceu sem nenhum) não tenho coragem de passar o caso pra outro colega. O único Pediatra que mora na cidade não trabalha no hospital. A cada dia, vem um médico diferente de Recife para dar plantão e eu acho que paciente internado deve ser visto sempre pela mesma pessoa. As diferenças do estado geral do paciente podem ser sutis de um dia para outro, nem todo profissional médico descreve tudo no prontuário (isso quando dá pra entender a letra) e eu me sinto responsável pela vida da criança.

Já deu pra imaginar o tanto de vezes por dia que eu telefono para saber como vão os sinais vitais, os exames, se está aceitando a dieta, etc, etc. E eu, que mal saía de casa, vou diariamente por lá. E fico aqui, pensando, pensando. 'Será que não seria uma infecção?', 'Será que eu desaprendi a conduzir esse tipo de caso depois de tantos meses afastada?'. E abro livros, compêndios de Pediatria, leio, leio, leio sobre assuntos que jurei a mim mesma que nunca mais estudaria.

Eu perco o sono por meus pacientes. Eu rezo por meus pacientes. Eu choro por meus pacientes. Mas preciso aprender o limite e é isso que me assusta. Talvez eu não tenha essa habilidade e não consiga aprender nunca a me desligar. Talvez eu tenha que ser médica, mas de outra forma. Decididamente, nada de hospitais para mim (não dou plantão há muito tempo). Eu trabalhava num posto de saúde de zona rural, mas nunca fui como a maioria dos colegas que determinam um número 'x' de fichas, atendem todo mundo em duas horas e vão embora. Gosto de conversar com as pessoas, de visitá-las em casa quando não podem vir ao posto, de fazer palestras educativas para a comunidade, de participar de campanhas de vacinação... Eu acho que fiz a faculdade errada.

Enquanto isso, eu perdi um quilo em quatro dias, estou dormindo mal e voltei a sentir aquele peso nos ombros que demorou meses para desaparecer quando fui afastada do trabalho.

2 comentários:

Anônimo disse...

Profissional compromissado é um ser especial, e quase tão inacreditável quanto Papai Noel (eu acredito nele viu???).

Nossa, ser um paciente cuidado por alguém com a sua dedicação é uma dádiva, mas jamais iria querer que este profissional ficasse se desmanchando por minha causa.

Seu destino parece claro: ser médica é parte da sua essência. E sim, pelos seus escritos, você aponta já ter sabido este limite que está procurando hoje, esta fronteira; creio que é só lembrar, aos poucos.

Não desista!!! :-D

Anônimo disse...

Odessa,
O que se faz com amor é o que vale na vida.
Agora quanto a você achar que tem alguns parafuso faltando por assim ser...Então deveria existir uma fábrica de tirar parafusos de muitosss seres ditos humanos.Com certeza este mundo seria muito melhor!
Um grande abraço e tudo de bom.